Thursday, February 28, 2008

Por uma nova Lei de Imprensa


José Dirceu

A suspensão, por liminar do STF, de uma série de dispositivos da Lei de Imprensa, só merece aplausos, porque, na verdade, o que está se discutindo são artigos que não foram recepcionados pela Constituição de 1988. Mas a revisão ou revogação total da Lei de Imprensa, uma lei da ditadura que já deveria ter sido enterrada há tempos, tem de ocorrer com ampla discussão de uma regulação para o setor, que assegure os direitos de imagem e de resposta e garanta o espaço público nos meios de comunicação.

Se não podemos conviver com uma Lei de Imprensa que permite apreensão e fechamento de empresas de comunicação por mero ato do Executivo - um dos artigos suspensos e que, como vários outros, estava superado pela jurisprudência ou legislação posterior - também não podemos aceitar que a imprensa, que se transformou em grandes conglomerados empresariais, asfixie o espaço público, ao impor apenas o debate das pautas de seu interesse. O que vemos hoje, na prática cotidiana de jornais, revistas, rádios e tevês, é um desrespeito contínuo ao direito de resposta e de imagem. As acusações, mesmo sem provas, ganham manchetes, enquanto as retratações vão no pé de página.

O caso mais recente do comportamento antiético, autoritário e desrespeitoso aos direitos individuais da mídia foi o do padre Julio Lancelotti, de São Paulo, conhecido nacionalmente por seu trabalho com moradores de rua. As denúncias envolvendo seu nome tiveram destaque em todos os veículos, mas o fato ter sido inocentado mereceu registro quase invisível, o que provocou indignação até no ombudsman da Folha de S. Paulo.

Por que a imprensa age assim? Porque falta regulação que garanta o espaço público. Cabe aos Estados nacionais conter o apetite das grandes corporações em impor a sua pauta. Por isso, no caso da imprensa, e especialmente da radiodifusão, vários países atualizam constantemente sua legislação. Portugal, no ano passado, promulgou a nova Lei de Televisão, que dá mais poderes à Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Nada muito diferente do que fazem o Ofcom, da Inglaterra, e o Conselho Superior de Audiovisual da França.

Essas regulações devem servir de referência para o debate que se impõe à sociedade brasileira - aliás, dorme na mesa diretora da Câmara dos Deputados um projeto de lei substitutivo da Lei de Imprensa, de 1992. A imprensa requer uma regulação específica; não bastam os Códigos Penal e Civil, como defendem representantes da Associação Nacional de Jornais. Em relação à mídia, os códigos são letra morta, pois não resolvem questões do direito de resposta e nem de indenização por dano material e moral. Embora os artigos do Código Penal que tratam de calúnia, injúria e difamação não estabeleçam limites para as multas, a jusrisprudência tem limitado as indenizações a cem salários mínimos. Valor equivalente ao de uma página de anúncio em algumas publicações.

"A imprensa não pode ser um setor acima de qualquer regulação", afirma o professor Venício Lima, pesquisador da UnB e especialista no tema. E essa regulação tem de contemplar também a observância, pela imprensa, do texto constitucional. A mídia não pode ignorar, como vem ocorrendo, a presunção da inocência e os devidos processos legais. Não pode se antecipar a estes e "julgar" no lugar da Justiça, comprometendo a honra e a imagem de cidadãos porque foram denunciados ou processados.

Só com uma regulação democrática da imprensa, que garanta a total liberdade de expressão, de um lado, e o respeito aos direitos individuais do cidadão, de outro, o país vai conseguir avançar na defesa do espaço público nos meios de comunicação. E, para construir esse arcabouço legal, precisamos não só de uma nova Lei de Imprensa, mas também de uma Lei de Comunicação de Massa, que substitua a ultrapassada legislação da radiodifusão, de 1962, que gerou quadro de monopólio e controle político-familiar dos meios de comunicação. Não há democracia onde um setor poderoso da sociedade fique acima do controle social.