Friday, May 25, 2007

O suicídio do Congresso

José Dirceu


(artigo publicado no Jornal do Brasil, em 24 de maio de 2007)


A Operação Navalha, da Polícia Federal, escancara a urgência e emergência da reforma política. Nunca foi tão necessário fazê-la e o que se espera da Câmara dos Deputados é que a aprove para as eleições de 2008. Antes que seja tarde.
Os leitores e as leitoras do JB sabem que venho defendendo há mais de um ano a necessidade da aprovação da reforma política. Não dá para entender por que a Câmara não a aprova, com o agravante de que o Senado já aprovou os pontos mais importantes: fidelidade partidária, voto em lista e financiamento público. O projeto foi enviado para a Câmara dos Deputados e está pronto para ser votado, mas quando parece que vai haver uma decisão começa tudo de novo, como em uma mágica. Falam em fatiar a reforma política, a renegociá-la, e na prática ela não sai.
A responsabilidade maior é dos partidos com maioria na casa - PMDB, PT, PSDB e DEM (ex-PFL) - que juntos podem e devem aprovar esses pontos mínimos de uma reforma político-eleitoral. Quero repetir pela enésima vez: manter o atual sistema político-eleitoral, sem fidelidade partidária, com financiamento privado e voto uninominal, é fazer haraquiri. É isso mesmo, o Congresso Nacional está se suicidando.
O que mais estamos esperando acontecer para mudar radicalmente esse quadro? Será que estamos esperando que haja uma grave crise institucional causada pelos desdobramentos do sistema de financiamento privado das eleições, que estão cada vez mais caras? Ou estamos esperando que o poder econômico domine de vez o Congresso Nacional?
A aprovação da fidelidade partidária, do financiamento público das campanhas e do voto em lista partidária, ao lado de uma ampla reforma na elaboração e fiscalização da execução orçamentária, farão o sistema político brasileiro muito menos vulnerável ao poder econômico e à corrupção. Essas mudanças evitarão que o parlamentar seja dono de seu mandato e o negocie, dentro dos partidos, com o governo ou com empresários privados.
Essa reforma eliminará a principal fonte de financiamento das campanhas, que são as emendas parlamentares e as obras públicas. Daí a necessidade do voto em lista partidária, o único compatível com o financiamento público, pois seria impossível financiar a campanha de cada deputado. O atual sistema encarece as eleições muitas vezes, e as torna a cada dois anos mais e mais cara. É só conferir os números.
Não têm sentido os argumentos contra o voto em lista ou o financiamento público. Os que acham absurdo utilizar dinheiro público nas eleições esquecem que o financiamento público já existe na renúncia fiscal que favorece as empresas de rádio e televisão, em troca do horário gratuito partidário e eleitoral.
E o voto em lista partidária não difere muito da exigência de estar filiado a um partido para se candidatar a qualquer cargo. E existe o voto de legenda, para o eleitor que quiser votar no partido e não no candidato. O que devemos fazer é tornar obrigatório esse direito que já existe.
Não se argumente que as listas serão manipuladas por cúpulas e caciques dos partidos, já que a lei imporá um sistema proporcional e direto de escolha para formação das listas. Votarão em prévias todos os filiados aos partidos políticos, como hoje já acontece no PT, para escolher os candidatos. Nada mais democrático.
Não realizar a reforma política exporá o sistema político nas eleições de 2008 a uma prova final e nos levará fatalmente ao desastre. Basta ler os jornais dessa semana para ver a extensão dos esquemas de financiamento ilegal de eleições e a gravidade do envolvimento de governos e parlamentares no direcionamento de emendas para obras públicas.
Mais do que nunca o PT, como partido do governo e do presidente da Câmara dos Deputados, tem a maior responsabilidade em colocar na pauta e articular, com apoio das lideranças do governo, a votação da reforma que deve ir para o Senado e lá ser aprovada, de preferência sem modificações, para ir à sanção presidencial.
É a hora da reforma política, tem de ser agora.

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