Friday, March 24, 2006

As oportunidades únicas da TV digital

José Dirceu


Ex-chefe da Casa Civil

Pode parecer para muitos que, no Brasil, a introdução da TV digital é mais uma daquelas conquistas tecnológicas que vai melhorar - e muito - a qualidade do sinal de tevê que se recebe em casa. Será o fim dos chuviscos e dos fantasmas, abrindo, além disso, as portas para novos serviços interativos.

Mas a TV digital não é só isso, nem para o telespectador nem para a nação. Ela traz oportunidades únicas para se criar uma política industrial que contemple toda a cadeia da produção de conteúdo, para a qual o país já demonstrou talento e capacidade. Que começa no projeto de semicondutores - segmento em que o país acumulou competência, nos anos 80, e que perdeu por falta de continuidade de políticas públicas consistentes -, na sua produção para abastecer a indústria eletroeletrônica, hoje só montadora, na indústria de software para o desenvolvimento da produção de conteúdos para as diversas mídias, e na própria produção dos conteúdos.

Ela traz, ainda, oportunidades de se avançar na convergência das redes, o que resulta em ganhos para o consumidor. Por quê? Porque usar as diferentes redes (telefone fixo, celular, TV por assinatura) para, também, distribuir conteúdo e acelerar a interatividade, inclusive com as redes de tevês, é melhorar o investimento já feito pelas empresas e pelos consumidores que, de alguma forma, pagaram por isso.

Ou seja, é caminhar em direção a um futuro inexorável e tirar o melhor partido do que a convergência tecnológica nos oferece. Ter mais redes para oferecer conteúdo é democratizar o acesso à distribuição, fugir da ditadura dos oligopólios e abrir espaço para as produções regional e alternativa.

Como não permitir que novos canais privilegiem a produção cultural estrangeira? Criando regras de distribuição de conteúdo em que a produção e o interesse nacionais estejam preservados. Impedir que redes controladas por capitais estrangeiros, como a maioria das operadoras de celulares, distribuam conteúdo é impedir o uso eficiente da infra-estrutura já instalada. No lugar de proíbi-las, temos que criar, no Congresso, regras para definir critérios na distribuição. Isso é fazer política pública em defesa da cultura e da diversidade nacionais.

No mais, é jogo de palavras para enganar a sociedade brasileira, pois uma emissora controlada por capitais nacionais também privilegia a distribuição de conteúdos estrangeiros. O problema não está no controle da infra-estrutura, mas na política de distribuição de conteúdo.

Por fim, a introdução da TV digital nos traz a possibilidade de ampliar o atual número de emissoras em operação. Consideramos que as já instaladas têm o direito à faixa de espectro de 6 MHz para prover a transmissão digital e a prosseguirem em seus negócios. Mas a digitalização deve observar o uso eficiente do espectro para viabilizar novos canais.

Para consolidar a democracia, precisamos democratizar as comunicações, deixando entrar novos agentes que contemplem as produções regional e comunitária, nos espaços comerciais e públicos, abrindo, também, espaço para um canal público, a exemplo do que acontece na Inglaterra.

Comunicação é um negócio - e como tal tem que ser respeitado - mas é, também, o espaço de manifestação das forças organizadas da sociedade. A TV digital nos impõe essa reflexão. E dela não podemos fugir.

É importante, ainda, destacar que o governo Lula tratou a questão da TV digital sob o ponto de vista dos interesses do Brasil: criou o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD); definiu diretrizes em decreto; estimulou a pesquisa em universidades e centros de desenvolvimento. O resultado, com investimento de mais de R$ 50 milhões, é palpável. Foram criadas condições para agregar competência tecnológica em qualquer dos padrões que vier a ser escolhido.

O governo vem conduzindo, com competência, as negociações com os padrões estrangeiros. É uma discussão de contrapartidas, em que conta o interesse nacional em termos de políticas industrial e tecnológica. O próximo passo é usar a oportunidade histórica da TV digital para fazer política pública de comunicações, em que os interesses de grupos sejam subordinados aos interesses da sociedade.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home