Wednesday, March 22, 2006

Heloísa Helena: "Meu Amigo Terrorista"



por Gabriel Castro em 17 de março de 2006

Resumo: A senadora teria muito a explicar, fosse este um país sério. Como não é, ela prefere calar-se. E fica tudo por isso mesmo.

© 2006 MidiaSemMascara.org

Em outubro, o país vai mais uma vez escolher seu presidente. Os pré-candidatos já fazem o possível para ter o máximo de exposição. Obviamente, há coisas que eles nunca contariam. Acostume-se com isto: nenhum político é confiável.

Há algumas semanas, o PSOL apresentou-se oficialmente à comunidade da UnB. Fiz a cobertura do evento (http://cacom.blogspot.com/2006/01/psol-na-unb.html), junto com os estudantes Marco Prates e Vitor Freire. Consegui falar com a senadora Heloísa Helena. Ela não quis conversar na hora, mas passou-me o número de seu celular. Liguei para a senadora e acertei uma entrevista com ela: eu enviaria as perguntas por e-mail. A equipe do Blog do CACOM discutiu a respeito e, então, enviamos as perguntas: uma sobre o PT, duas sobre a universidade pública e uma sobre a posição ideológica do PSOL. A quinta pergunta, a última, era a seguinte:

"A senhora e seus companheiros de partido têm sido criticados por serem colegas de Achille Lollo, que foi condenado por assassinato na Itália. Até onde é possível separar a vida pessoal da militância política de cada um, na opinião da senhora ?"













Lollo hoje




Achille Lollo é italiano. Em 1973, seu país vivia os Anos
chumbo e ele militava no Partido Operário. Num episódio que chocou a Itália, Lollo e dois companheiros de partido jogaram 5 litros de gasolina por baixo das entradas do pequeno apartamento onde Mario Mattei, sua mulher e seus seis filhos moravam na rua Bibbiena, no bairro operário de Primavalle em Roma. E atearam fogo. Mattei trabalhava como gari e era secretario da seção do MSI (Movimento Social Italiano, de direita) no bairro. O casal conseguiu escapar, junto com quatro filhos. Mas Virgilio, de oito anos, não conseguiu sair de seu quarto. Seu irmão Stefano, 14 anos mais velho, tentou salvá-lo. Ambos morreram queimados.





A casa de Mattei após o incêndio




O filho mais velho de Mattei, durante o incêncio, ainda vivo vivo.














O atentado ficou conhecido como Rogo di Primavalle (incêndio de Primavalle). Em 1987, Achille Lollo e dois companheiros de partido foram julgados e condenados a 18 anos de prisão. Porém, Lollo fugiu da Itália para, anos depois, reaparecer no Brasil. Em 1993, o governo brasileiro se negou a extraditá-lo e ele vive até hoje no país. Em 2004, Achille participou, junto de Heloísa Helena, da fundação do PSOL, partido do qual é um dos principais ideólogos. Não há notícia de que algum dirigente da legenda se incomode com sua militância. A senadora critica o presidente Lula por ser aliado de José Dirceu. Nada mais justo do que perguntar a ela sobre sua cooperação com Achille Lollo.

Lollo, na época do atentado







Mas seus assessores não pensam da mesma forma: depois de muitas tentativas, consegui ser respondido. Não da forma que esperávamos:
"Este jornal é realmente da UNB? E você é o editor?O publico alvo desde jornal são estudantes, funcionários e professores?Agora o seu público conhece o Achilles, e que ele tem haver com a Senadora?O seu Público sabe quem é Olavo de Carvalho?Assim fica difícil agente fazer alguma coisa". (os erros de escrita originários da Assessoria da senadora foram mantidos)
Olavo de Carvalho é articulista de alguns jornais de grande circulação. Ele critica pesadamente a senadora e seu partido, inclusive por causa da aliança com Achille Lollo. Mas eu não citei Olavo de Carvalho na entrevista e ninguém precisa concordar com ele para exigir respostas da senadora: uma breve pesquisa na Internet basta para se encontrar informações sobre o caso Mario Mattei.

Então, respondi à Assessoria:

"Certamente a maioria do meu público não conhece o senhor Achille e isto é até um fator que reforça a importância desta pergunta; a senadora é presidente do partido e candidata à Presidência daRepública; Achille Lollo é não só colega de partido, como foi co-fundador e parceiro militante da senadora. Sem dúvida a relação existe.

"(...)"

Não sei se, por sermos estudantes e por escrevermos para um jornal vinculado ao Centro Acadêmico (embora nem eu nem a maioria dos repórteres sejamos membros do CA), os senhores esperavam que fôssemos apenas elogiar a senadora e deixá-la discursar, algo que de fato ela faz bem. Mas definitivamente, não é o tipo de proposta que nós buscamos.

"(...)"Não vou retirar esta pergunta e continuo esperando que a senadora cumpra o combinado e mande as respostas. Mas se a incomoda a pergunta 5, não precisa responder. Tenho certeza de que ela sabe que este tipo de incômodo é apenas um indício de que vivemos numa democracia, e que mal seria se isso nunca acontecesse"

Esta mensagem não foi respondida. A equipe do Blog decidiu, então, esperar mais uma semana pelas respostas da entrevista. Eu enviei uma mensagem ao e-mail da senadora para informá-la do prazo. Escrevi:

"(...) aviso que (...) vamos colocar no ar a matéria, com ou sem as respostas. Não é uma ameaça, é só um aviso."

Desta vez, a própria senadora respondeu. E pôs em dúvida sua capacidade de interpretação: ela entendeu pelo contrário o que eu disse. E, claro, não perdeu a oportunidade de usar seu discurso de perseguida:

"(...) Ameaça?? Acha V.Sa. que eu tenho medo de alguma coisa??? Passei a vida como sobrevivente tendo que engolir meus próprios medos, entendeu???"

Ainda respondi, explicando o mal-entendido. Mas completou-se o prazo que estipulamos e a senadora (e sua Assessoria) nada mais disseram. As respostas da entrevista não chegaram. Conforme o nosso compromisso, estamos publicando este esclarecimento.

Por que será que a senadora, propagadora tão insistente da ética e da transparência, não se sentiu à vontade para responder à pergunta sobre Achille Lollo? Fosse esta uma acusação falsa e sem sentido, com certeza ela não se preocuparia em responder. Mas preferiu se esquivar. Achille matou duas pessoas e foi condenado a 18 anos de prisão. Isso são fatos, não são produtos da opinião do Blog. Que tipo de pessoa não se incomodaria ao ser acusado de aliar-se a um assassino de crianças? A senadora Heloísa Helena, ao omitir-se, dá-nos o direito de fazer todo o tipo de suposição (inclusive as mais graves. Principalmente, aliás).

Em 2003, o crime de Achille Lollo completou 30 anos e, pelas leis italianas, prescreveu (sua pena deixou de ter efeito). Entretanto, familiares das vitimas e grupos políticos italianos recolheram assinaturas e pressionaram a Justiça, que no ano passado declarou inválida a prescrição do crime. Ou seja: Lollo ainda tem uma pena de 18 anos para cumprir na Itália. Contudo, continua livre no Brasil (a leniência da Justiça brasileira não é novidade. Vide o caso Ronald Biggs).

O abaixo-assinado









Heloísa Helena vai se candidatar à Presidência da República. Tomara que seja mais transparente na campanha do que demonstrou ser conosco. Para mim, já não há dúvidas: quando um entrevistado foge e não responde a uma pergunta, sem querer ele diz muito mais do que se houvesse respondido.
Até o fechamento desta matéria, a senadora não enviou as respostas.

Nota: Na matéria "Heloísa Helena: 'Meu amigo terrorista'", as aspas sobre a expressão "meu amigo terrorista" não significam palavras da senadora. É um recurso utilizado pelo repórter para expressar ironia.

Links relacionados:
Relato do ataque à casa dos Mattei (em português):
http://www.italiamiga.com.br/noticias/artigos/quello_spaventoso_rogo_di_30_ann.htm
Cronologia do caso Mattei Fratelli (página em italiano):
http://redazione.romaone.it/4Daction/Web_RubricaNuova?ID=63379&doc=si
Páginas cobrando Justiça para os assassinos dos irmãos Mattei (em italiano) :
http://www.azionegiovani.org/modules.php?name=News&file=article&sid=35
http://www.lisistrata.com/2005politicainterna/002vergognalatitanti.htm
Um dos artigos de Achille Lollo no site oficial do PSOL:
http://www.psol.org.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=37&Itemid=27
Artigo de Achille Lollo no site do PSOL de São Paulo:
http://www.psolsp.org/?id=548&PHPSESSID=4b7a28a8cbbc069dcfe0c723d4fa4a43
Publicado pelo Blog informativo do Centro Acadêmico de Comunicação da Universidade de Brasília.



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1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Gostei muito dessa matéria mas francamente em nada me surpreedeu.
Sempre percebi na Senadora esse carater ditatorial e perverso.
Quando Delúbio Soares foi a CPMI ela fez uma pergunta ameaçadora e muito duvidosa, mas como todos os olhares estavam focados para Delúbio, passou despercebido.
A pergunta foi:
-Delúbio, eu quero saber se meu dinheiro veio de caixa 2. Porque se meu dinheiro veio de caixa 2 eu quero saber de onde veio o dinheiro da Senadora Ideli, tião vianna etc.
Delúbio respondeu: - Não Senadora, seu dinheiro não veio de caixa 2.
O que podemos entender dessa pergunta é que a senadora não sabia de onde veio seu dinheiro. Nunca se certificou se era ou não de caixa 2. Tanto que teve dúvida.
Depois que descobriu que não era de caixa 2 não se importou mais em saber de onde veio o dinheiro de Ideli etc. Era só uma ameaça.
E penso da mesma forma sobre o Dep. Chico Alencar e Orlando Fantazinni que trocaram de time no meio do jogo sem deixar que o outro pudesse repor seus jogadores. A vaga era do PT e não do psol no conselho de ética. Por falar em ética, isso é ético???

12:37 AM  

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