Friday, November 17, 2006

A nova realidade das Américas

José Dirceu

(Artigo publicado no Jornal do Brasil, em 16 de novembro de 2006)

A vitória de Lula no Brasil coincidiu com dois acontecimentos aparentemente sem ligação, ambos em nosso continente americano: a derrota do Presidente Bush e do partido republicano nas eleições legislativas americanas e a vitória de Daniel Ortega, da Frente Sandinista, na Nicarágua. Em dezembro, teremos eleições na Venezuela e, ainda este mês, o segundo turno no Equador. Assim vai se encerrando o ano de 2006, depois das eleições na Bolívia, Chile, Peru, Colômbia, Costa Rica e Brasil.

Com os novos governantes e as duas eleições a serem definidas, está-se desenhando o novo mapa geopolítico do nosso hemisfério. A sua marca é a profunda consciência da necessidade urgente da integração política e econômica dos países latino-americanos, acima das diferenças partidárias e ideológicas, e apesar dos conflitos do passado e dos interesses nacionais nem sempre convergentes. A manifestação mais clara dessa realidade são as negociações, difíceis, entre o Chile e a Bolívia, na busca de uma solução ao contencioso histórico que separa os dois países – o mar e o gás –, as guerras do passado, e a perda de territórios, por parte da Bolívia, para o Chile e o Peru.

Na Nicarágua, Daniel Ortega venceu com 40% dos votos no primeiro turno, com um discurso de conciliação com os Estados Unidos, apesar das profundas diferenças que o separam de Bush e da administração norte-americana. No passado, ela financiou os contra e inviabilizou a consolidação da revolução sandinista. A Nicarágua tem um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos e necessita, rapidamente, de mais investimentos e mais comércio, além de ajuda e apoio de toda comunidade internacional para combater a miséria e reorganizar a economia, começando por restaurar a capacidade energética do país, hoje em apagão.

O que mudou e o que faz Alan Garcia, presidente eleito do Peru, buscar Lula e querer se integrar com o Brasil? Simples, a necessidade de se constituir um pólo integrado e solidário dos países sul americanos. A Venezuela já faz parte do Mercosul e, junto com o Brasil e a Argentina, pode e deve ajudar e apoiar países como a Nicarágua, carentes de capitais e mercados, de tecnologia e inovação, de ajuda humanitária e social.

Cada vez fica mais claro que, além da tarefa imediata de consolidar o Mercosul e avançar na direção da Comunidade das Nações Sul Americanas, o Brasil tem o dever de representar, junto aos Estados Unidos e à Europa, os interesses, não apenas nacionais, mas da América Latina. Prova disso é que jamais a Bolívia avançaria, em seu processo político e econômico, sem o apoio e a compreensão do Brasil e da Argentina. Em um momento em que interesses comerciais de nossas empresas são contrariados, predominou o diálogo e a negociação.

No México, venceu Felipe Calderón, candidato do PAN apoiado por Vicente Fox. As divergências ideológicas não podem ser obstáculos para que o Brasil lance uma nova política em relação à pátria de Villa e Zapata. Tanto no Brasil como no México há consciência desse imperativo.

Afastada a agenda da Alca, ainda mais depois da vitória democrata, cabe ao Brasil lançar uma nova iniciativa que combine avanços no Mercosul, como o Parlamento, o fim da tarifa dupla na TEC, o banco sul americano, os projetos de integração energética e física. É isso que forçará uma mudança na postura norte-americana, hoje marcada pela omissão ou pelo intervencionismo nas políticas de vários países, como Bolívia, Venezuela e, mais recentemente, Nicarágua. Sem falar em Cuba, que sofre um embargo que massacra sua economia e limita suas possibilidades de desenvolvimento. Sua sobrevivência, hoje, só é possível graças à fibra de seu povo e à solidariedade da Venezuela e de países como Brasil e Argentina.

Descongelar a agenda norte-americana e reaproximar a Europa da América Latina são imperativos só viáveis se fizermos o dever de casa: avançar efetivamente no Mercosul e na integração sul americana. Esse é um grande desafio (possível) que se coloca para o segundo mandato do presidente Lula.

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