Brasil contido no ovo tucano
José Dirceu
(Artigo publicado no Jornal do Brasil, em 21 de setembro de 2006)
Cronistas e políticos emplumados têm se dedicado, com afinco, a pontificar sobre os riscos de um segundo governo Lula. Populismo, ingovernabilidade, impeachment são algumas ameaças brandidas no atacado. No varejo, tenta-se de tudo. Sintomático, porém, é o pouco que se oferece à reflexão equivalente, no caso de uma volta tucana ao poder. Cabe-nos, assim, especular: afinal, quanto custaria ao país chocar a lógica embutida dentro do ovo tucano? Vejamos os protagonistas e o enredo que compõem essa equação.
Geraldo Alckmin orgulha-se de haver enjaulado 130 mil criminosos em SP. Fez o decantado choque de gestão, cortou gastos até o osso e semeou o crime organizado no estado mais rico da federação. Serra, por sua vez, promete acelerar a construção de presídios num eventual governo. Deve haver algo de errado num projeto político cuja prioridade é disputar, com o relógio, a construção de cadeias.
Fernando Henrique desdenha a política social do Bolsa Família. Assistencialismo de cabresto, dispara, para se defender do ostracismo crepuscular diante de um presidente-metalúrgico.
Assistencialismo à parte, tucanos de alto e baixo coturno menosprezam o Prouni, uma ponte de emancipação para a juventude pobre, sem a qual jamais teria acesso à universidade. Ao mesmo tempo, engavetam o Fundeb no Congresso, deixando em supenso um salto de qualidade na escola pública, que faria diferença na vida de milhões de crianças e adolescentes.
Não satisfeitos, censuram o investimento público, cobram mais arrocho fiscal e vaticinam: haverá séria crise num segundo governo Lula, se a gastança não for contida. Entre os muitos crimes de gastança cometidos pelo atual presidente, estaria a indesculpável disposição de recuperar o poder aquisitivo do salário mínimo. Pior: tratá-lo como instrumento de política econômica, a fixar limites à exploração da mão-de-obra e encorpar um mercado de massa gigante.
Criticam os reajustes do salário mínimo, acenando para o irremediável déficit que acarretariam às contas da Previdência: 4% do PIB, anunciam. Mas omitem, por exemplo, o fato de que, se o divisor – o produto nacional –, crescer mais depressa, o dividendo exterminador declinaria suavemente. Mas como crescer, se o que mais falta ao país é investimento público para puxar o setor privado, e a pedra de toque do modelo tucano é comprimir ainda mais essa variável – hoje já reduzida a 0,5% do PIB, face aos 8% destinados aos juros dos rentistas?
Não importa. A solução heróica é apertar a tarracha até o limite, para que se acione o ajuste redentor. E depois? Depois, quando o furacão Katrina das asas tucanas espraiar seus efeitos devastadores, um Estado mínimo emergirá das cinzas. Ao preço, provável, da insegurança máxima rondando as ruas, mas com contas equilibradas – mesmo que isso custe um regresso à lei das selvas.
Exagero? Leiam o que escrevem e falam membros do think tank tucano. Avaliem o upgrade ortodoxo cogitado na Casa das Garças, sucursal tucana do Consenso de Washington, tida como conselheira do candidato Alckmin. Ali se acalenta adotar a livre conversibilidade cambial no Brasil (dólar/real), a mesma receita aplicada na Argentina pelo ex-ministro Domingo Cavallo, que destruiu a indústria do país, produziu favelas em Buenos Aires e arrebentou a classe média.
Avaliem e respondam se não vai faltar grade para acomodar esse Brasil contido dentro do ovo tucano. O Dieese mediu um pedaço da encrenca que essa lógica anabolizará, enquanto o governo Lula já fez e planeja fazer muito mais para revertê-la. Pesquisa que acaba de divulgar confirma que 45,5% do total de desempregados brasileiros, nas regiões metropolitanas e no Distrito Federal, têm entre 16 e 24 anos de idade. Pergunta que a lógica tucana não responde: até quando esses moços e moças teriam que esperar na fila da desilusão, para que a "higienização ortodoxa" desse conta de sanear as finanças e permitir ao país gerar empregos e crescer novamente? Com a resposta, os eleitores.
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