Thursday, May 11, 2006

Espelho, espelho meu...

José Dirceu
Ex-ministro-chefe da Casa Civil

JORNAL DO BRASIL

Nossas elites, elas mesmas, que diziam apoiar Lula – no que até certa esquerda acreditou – estão aí, agora, radicalmente contra nossa política externa.

Bastou a Bolívia, com seu governo legítimo e seu povo, decidir, democraticamente – porque houve um referendum e eleições presidencial e parlamentar – nacionalizar o petróleo e o gás. É a velha solidariedade de classe, de política e de visão do mundo.

Eles, que privatizaram e permitiram o descalabro do apagão energético no Brasil, apoiavam e sustentavam governos repudiados e depostos pelo povo boliviano. Para entender a histeria atual, é necessário relembrar esse fato histórico, essa solidariedade de classe e de interesses, pois são todos neoliberais e adeptos de um alinhamento externo incondicional à política norte-americana.

A crise que vivemos na América do Sul é fruto de vinte anos de neoliberalismo e de políticas econômicas e sociais que fracassaram. Portanto, os governos, eleitos com plataformas de reformas e de resgate da soberania, precisam avançar e realizar essas reformas, caso contrário, terão o mesmo destino dos governos de Lucio Gutiérrez, no Equador, e de Alejandro Toledo, no Peru.

Parece que esquecemos a experiência da Argentina, quando as políticas do FMI conduziram o país à beira de uma guerra civil, felizmente superada com a eleição de Néstor Kirchner.

O componente ideológico na crítica da maioria da mídia é claro quando condena, não apenas a resposta do Presidente e do governo brasileiros, mas toda sua política externa e, principalmente, o Mercosul. O objetivo não é o futuro acordo com a Bolívia ou a condenação da nacionalização; na verdade, quer ressuscitar a Alca.

O tom alarmista da direita brasileira e de certa mídia é ridículo e contraria toda a nossa tradição diplomática. As propostas de retirar nosso embaixador de La Paz e de aplicar sanções à Bolívia não são próprias de nossa política externa e só agravariam a situação.

A Bolívia precisa do nosso mercado e, nós, do gás boliviano. Portanto, devemos negociar com firmeza, defender nossos interesses e acelerar os investimentos da Petrobras, buscando a auto-suficiência de gás, como fizemos com o petróleo.

Uma coisa é exigir indenizações ou negociar reparações e o preço do gás; outra , é se opor a uma decisão soberana do povo e do governo da Bolívia que, aliás, já foi tomada, no passado, por governos militares de lá, sem a mesma oposição dessa direita de tão curta memória histórica.

Precisamos ter um programa claro: não a expropriações; garantia de abastecimento; negociação justa e soberana do preço do gás. Com relação à Petrobras, devemos negociar preço e investimentos conjuntos, lembrando que construímos Itaipu com o Paraguai.

Temos interesses comuns com os países da América do Sul, nosso mercado natural de expansão. Somos o único país industrializado na região e temos um crescente mercado interno. Portanto, devemos avançar na integração, com a imediata implantação do Fundo para a Convergência Estrutural para a Bolívia, o Paraguai e o Uruguai, e a construção do Banco de Investimentos, para financiar o desenvolvimento.

O Mercosul deve implantar seu parlamento, constituir seu Tribunal de Arbitragem, eliminar a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum e instituir um mecanismo para a distribuição da Renda Aduaneira, que prevê a circulação facilitada de bens. E aprofundar os entendimentos rumo à Comunidade das Nações Sul-Americanas.

É patética a postura da oposição, dando como liquidado o Mercosul o que, a rigor, trata-se, apenas, de uma vontade que se expressa na crise e revela o caráter antinacional dessas elites, sempre prontas a defender políticas de submissão de nosso país. Como se fosse possível, depois de tantos anos de desgovernos, com tanta desigualdade, pobreza e problemas historicamente acumulados, construir um mercado comum e integrar nossos povos sem crises e rupturas.
Com esse tipo de mentalidade, a Europa seria, até hoje, um campo de batalha e não a União Européia. Interesses conflitantes são da natureza dos processos políticos, principalmente na arena internacional. O que define uma nação e um estadista é sua capacidade de transformar a crise em oportunidade para defender não somente o interesse nacional mas, principalmente, o futuro que, em nosso caso, está na integração da América do Sul.
José Dirceu escreve às quintas-feiras no Jornal do Brasil

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

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Em relação ao movimento da Chistiane Torloni, marcado para o dia 21/05/2006, certamente não existe essa de "apartidário".

http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=3936340&tid=2464091854495110368&na=1&nst=1

Muita gente está caindo no conto do apartidarismo, mas o objetivo é atrair o maior número de pessoas e, na hora H, tentar caracterizar uma manifestação contra o governo Lula. Querem usar o maior número de incautos, por isso se dizem “apartidários”. As emissoras de TV vão dar esta versão, a de protesto contra o governo Lula.

Estamos a poucos meses das eleições.

Alckmin está precisando de alguma coisa nesse sentido, para tentar subir um pouco nas pesquisas. Além disso, se conseguirem uma manifestação um pouco representativa que seja, vão tentar forçar o impeachment do presidente Lula, este que está combatendo a corrupção 815% a mais que o governo de FHC
(conferir no Consultor Jurídico
http://conjur.estadao.com.br/static/text/43480,1 ).

Na última entrevista à BAND, FHC falou nesses termos:

"Somente o pedido de impeachment, mesmo que não se concretize, isso já deixa o presidente marcado negativamente".

Um movimento desses, em cima de uma campanha eleitoral é, no mínimo, suspeito.

Este é um momento político eminentemente PARTIDÁRIO.


Isso tem todas as características de atitudes próprias de gente corrupta.

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2:28 PM  

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