Saturday, May 06, 2006

A morte de Pimenta Neves

Um absurdo! Esse cara mata covardemente a namorada, é condenado a 19 anos de cadeia e sai do Tribunal direto pra casa como se nada tivesse acontecido.
Até quando ainda vamos assistir a homens matando mulheres, por ciúme e machismo e ficando impunes?
Bel





Texto publicado no blog Cidadania.com




Eduardo Guimarães

Vou contar uma história que todos conhecem, a de Marcos Pimenta Neves, ex-diretor de Redação do jornal O Estado de São Paulo. Vou contá-la assim mesmo, porém, por que o farei de forma diferente. Contarei um final imaginário. Meu final para essa história dramática até onde podem ser dramáticas as histórias de amores trágicos, porém, é bastante verossímil. Em nome de minha fé cristã e de meu lado racional, gostaria de que minha visão nunca se materializasse, mas meu lado obscuro, primal, torce perturbadoramente para que se materialize.

Marcos, importante jornalista de um dos maiores e mais tradicionais diários brasileiros, homem que comandava com mão de ferro a redação do veículo, enamorou-se de uma uma colega, Sandra Gomide, e se envolveu com ela. Valendo-se de seu poder no jornal, então, deu-lhe o comando de uma de suas mais importantes editorias. Em algum momento da relação, contudo, a jovem Sandra, apesar de trabalhar subordinada (ao menos hierarquicamente) a Pimenta Neves e de ter sua carreira nas mãos dele, decidiu romper o relacionamento. Ele não aceitou. Começou então a persegui-la, a exigir de volta presentes que lhe dera e a fazer... ameaças.

Neste ponto, faço uma digressão para revelar que uma vez conversei por telefone com Pimenta Neves. Naquele dia eu havia enviado uma carta ao Estadão criticando-o por sua linha editorial, dizendo-a facciosa, e ela foi repassada ao então diretor de Redação do jornal. À noite, toca o telefone em minha casa. Minha filha anuncia que "Marcos Pimenta Neves" quer falar com o "doutor Eduardo Guimarães". Disse-me que, apesar das críticas que fiz ao seu jornal, tinha achado minha carta "honesta", e que por isso queria me convencer de que eu estava enganado. Apontei-lhe, então, alguns fatos que fundamentavam minha queixa, ele ficou de "verificar o que havia acontecido" e de me dar "um retorno". A última notícia que obtive dele, depois disso, foi receber pelo correio exemplar de um livro muito bem encadernado, ilustrado e colorido exaltando o Estadão.

Volto à história de Pimenta Neves e de Sandra. Consumido pela rejeição e pelo ciúme, sentimentos insuportáveis para um homem cuja arrogância pude constatar um dia, ele a matou. Pelas costas. Mas sendo rico, cheio de amigos influentes e prováveis histórias "incômodas" para contar, antes de ser preso passou alguns dias numa clínica de repouso sem ser incomodado pelas autoridades. Teve, na mídia, inúmeras manifestações de que "não era bem assim". Resultado: ficou sete meses preso, e depois conseguiu a liberdade "provisória". Mais de cinco anos depois foi julgado e condenado a 19 anos de prisão. Recorreu da sentença. Conseguiu prorrogá-la por mais dois anos, e então foi julgado novamente...

O pai de Sandra foi ao tribunal para encarar mais uma vez o assassino da filha sabendo que por ele ter agora mais de setenta anos, por ainda manter amigos influentes e por contar com uma inédita "isenção" da corporação que integrou um dia (a imprensa), se fosse condenado - o que era cada vez mais incerto - sua pena seria reduzida a um terço, o que o manteria preso por apenas três anos. Por isso, durante o julgamento de Pimenta Neves o pai de Sandra sacou uma arma e lhe deu dois tiros no peito. Mas, diferentemente do que o jornalista fizera com sua filha, matou olhando a vítima nos olhos.

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