Friday, March 31, 2006

QUESTÃO DE ORDEM: Os tucanos contra Lula

Quem imagina, como os tucanos da OAB, obter o impeachment do presidente, que se prepare para confrontar-se com a reação dos trabalhadores. Lula pode ter todos os defeitos que lhe atribuem. Se os tiver, não estará sendo diferente de muitos de seus antecessores. A diferença é que ele não é do grupo dos que sempre mandaram no Brasil.

Mauro Santayana * Carta Maior



BRASÍLIA - Joaquim Cardozo, o grande calculista de Niemeyer e excelente poeta, começa um de seus poemas com a fantasia de que se haviam reunido, em congresso, todos os ventos do mundo. Era o engenheiro, ser construído para lutar contra os elementos naturais – sobretudo o vento – que se assustava com a previsível tragédia de uma convenção que juntasse o euro e o siroco, o minuano, os ventos atlânticos e os tufões caribenhos.Começam a reunir-se, nesta sexta-feira, dia de desincompatibilização, todos os irrequietos e imprevisíveis ciclones políticos. O ministro Palocci, que começou a escorregar ainda em Ribeirão Preto ao escolher mafiosos de subúrbio como auxiliares diretos, caiu na fossa da desgraça por motivos de rasteira futilidade. Deu à oposição mais pólvora para o ataque ao governo. Enfim, está caindo pelos pecados menores, e não pela sua obediência automática aos recados do Império, repassados com fidelidade pelo Sr. Henrique Meirelles.

O caseiro Francenildo descobrirá, dentro de pouco tempo, que está sendo usado pelos tucanos que – como é de praxe nesses casos – irão deixá-lo na calçada, quando ele lhes deixar de ser útil. Os homens mais experientes não sabem como se sentir mais penalizados diante do caso do rapaz piauiense, cujo nascimento acidentado, em uma sociedade hipócrita como a nossa, já era um fardo a carregar: se com a sua situação social, ou com o festival de cinismo com que o exaltam nestes dias.

Nestes dias, é claro, o rapaz se sente como uma celebridade nacional, como celebridades foram, um dia, o motorista e a secretária, no caso Collor. Mas é constrangedor ver homens que normalmente não lhe dirigiriam a palavra, senão de cima para baixo, saudá-lo como o grande herói nacional, e usá-lo, como o usaram os tucanos da OAB, como garoto propaganda de um ridículo movimento de impeachment contra o presidente da República.

Se esses senhores meditassem o que ocorreu há 42 anos, exatamente naquela véspera de 1º de abril, seriam menos afoitos. É possível que estejam jogando com os grã-finos e alienados que se reúnem hoje no Instituto Millenium e no movimento “Queremos mais Brasil”, que pretendem reeditar o que houve em 1964. Mas se esquecem de que a história pode repetir-se como farsa (de acordo com Marx) ou rodando para trás.

Quem imagina obter o impeachment do presidente, assim sem mais nem menos, que se prepare para confrontar-se a uma reação poderosa dos trabalhadores. Lula pode ter todos os defeitos que lhe atribuem, e alguns mais. Se os tiver, não estará sendo muito diferente de muitos de seus antecessores. A diferença é que ele não é do grupo dos que sempre mandaram no Brasil.

E não contem com os quartéis. É mais fácil, na situação nacional de hoje, encontrar militares com a consciência de que o inimigo deixou de estar no Sul, para vir do Norte, do que aqueles que, enganados pelas circunstâncias, aplaudiram a teoria das fronteiras ideológicas. Os que estão enfrentando as dificuldades da selva amazônica, e preocupados na vastidão das fronteiras ocidentais do Brasil, sabem muito bem que as fronteiras são físicas, concretas, que devem ser rigorosamente fechadas contra os aventureiros.

UMA SUCESSÃO TUMULTUADA
Nessa fase de formação das candidaturas, tem havido de tudo. Os tucanos, no afã de ampliar e consolidar suas alianças, prometem o paraíso a seus aliados possíveis. Mas, em política, o pecado maior não é a falsa promessa, mas a boa-fé em tê-la como válida. O Sr. Itamar Franco não toca no assunto, mas o Sr. Barbosa Lima Sobrinho que, no limiar dos cem anos, permanecia arguto observador, afirmava a seus amigos saber que Fernando Henrique, para garantir o apoio do então presidente, na fase de escolha de candidatos presidenciais, prometeu-lhe fazê-lo candidato à sucessão em 1998. Outro testemunho, neste sentido, foi o do jornalista João Emílio Falcão, em confidência a este colunista. Quando a glória deu ao grão tucano o manto de pavão, Fernando Henrique achou que ninguém podia a ele suceder, senão ele mesmo.

Prevendo as dificuldades em vencer Lula, a oposição usará todas as armas possíveis. No interior, os partidários do presidente devem acautelar-se contra os atos habituais de provocação. Nas grandes cidades corremos o risco de confronto entre manifestantes do PSDB de um lado e de defensores do atual governo, do outro. Nessa hora, é bom que, de um lado e de outro, haja pessoas de bom-senso.

Estamos construindo, com todas as dificuldades, o estado democrático, e qualquer retrocesso, para um lado ou outro do espectro político, será danoso. O país – e é sempre bom dizer – anseia por um governo de centro. Salvador de Madariaga, grande pensador espanhol, dizia que a República malograra em seu país porque malograra o centro político. Quer queiram, ou não, o governo Lula tem sido um governo de centro, enquanto o de Fernando Henrique foi – em termos de ação e resultados – um governo neo-conservador, distanciado do centro pelo lado direito.

OS ÊXITOS ECONÔMICOS
Embora a política econômica tenha continuado monetarista, os seus resultados foram muito mais efetivos do que no passado. Lula conseguiu reduzir a velocidade do endividamento interno, saldou grande parte dos compromissos externos, quitou as dívidas tucanas com o FMI e com o Clube de Paris e conseguiu, nestes três anos anteriores, saldos comerciais de quase cem bilhões de dólares. Os sacrifícios do povo foram quase os mesmos, mas conseguimos mais autonomia diante dos credores internacionais. Se o resultado do PIB continua pífio, podemos lembrar que não foi melhor na média dos oito anos de Fernando Henrique, que só puderam ser comparados aos anos loucos do encilhamento, e da conseqüente “austeridade” recessiva de Joaquim Murtinho, no início de nossa vida republicana.

Será difícil aos tucanos convencer os empresários de bom senso que é melhor voltar aos tempos privatizantes de Fernando Henrique. Já se anuncia que o Sr. Luis Carlos Mendonça de Barros prepara um plano de governo que privatizará totalmente a Petrobras (a fim de evitar a sua associação com a Pedevesa, da Venezuela), completará a privatização das empresas de energia elétrica (o que se impediu graças à reação viril de Itamar em Minas) e retornará aos “bons tempos” em que ele e os meninos de ouro do Banco Central sabiam administrar com êxito os seus rendosos negócios privados, sem deixar a gestão da economia pública.



Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

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