Friday, March 31, 2006

Relator acusa "corruptores", mas ameniza com "corrompidos"

CPMI DOS CORREIOS

Relator acusa "corruptores", mas ameniza com "corrompidos"
Os deputados que receberam o chamado "mensalão" não foram indiciados por corrupção passiva no relatório final da CPMI dos Correios. Apenas por crimes eleitoral e fiscal. Se não foram subornados, como pode alguém ser acusado de subornar?

Nelson Breve – Carta Maior

BRASÍLIA - As 1828 páginas do relatório apresentado nesta quarta-feira (29) pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) retratam bem o que aconteceu nesses 10 meses de atuação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional destinada a apurar casos de corrupção na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. A despeito de terem encontrado fortes indícios de esquemas envolvendo políticos de diversos partidos, inclusive dos que hoje estão na oposição ao governo federal, o foco das investigações e das denúncias foi colocado sempre sobre o PT e seus integrantes.
O "valerioduto" (alcunha recebida pelo esquema de desvio de verbas públicas e privadas controlada pelo publicitário Marcos Valério) é apresentado como um esquema de desvio de recursos públicos em benefício de partidos políticos e de pessoas.
Quem lê as conclusões e indiciamentos do relatório fica com a impressão de que a falcatrua começou com o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. No entanto, as linhas investigativas abortadas ou desconsideradas indicam que o esquema começou a ser operado na administração do governador tucano Eduardo Azeredo, em Minas Gerais. Infiltrou-se no governo federal do presidente tucano Fernando Henrique Cardoso. Ramificou-se para governos estaduais, como os de São Paulo (administração tucana) e do Distrito Federal (PMDB). E prosseguiu no governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva.
As tintas do relatório reproduzem as opções de investigação feitas pela CPI. Do "valerioduto", só interessou o que fosse necessário para sustentar a existência do esquema ilícito de cooptação de apoio político denominado "mensalão". A CPI abandonou a investigação das relações suspeitas entre as agências de publicidade DNA e SMPB, do lobista Marcos Valério, e o Governo do Distrito Federal (GDF) na administração do peemedebista Joaquim Roriz (que esta semana declarou apoio ao candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin).
Foram R$ 74,2 milhões repassados pela Secretaria de Fazenda do DF e pela estatal Terracap ao "valerioduto". Da mesma forma, permaneceram nebulosos os vínculos do "valerioduto" com o governo do estado de São Paulo, especialmente as transações entre a Telesp, antes de ser privatizada, e a SMPB-SP. Pelas contas da SMPB-SP passaram R$ 104 milhões de abril de 1997 a março de 1999. Desse total, R$ 41 milhões foram repassados pela Telesp.
A CPI não levou adiante essas investigações alegando que invadiam a esfera estadual. Mas, sequer citá-las no relatório é omissão. Até porque o governo tucano não deixa a Assembléia Legislativa de São Paulo abrir investigação alguma. O exemplo mais recente é a denúcia do mensalinho da Nossa Caixa para comprar apoio no Legislativo estadual. No GDF também há interesse nessa investigação, até porque a Câmara Legislativa local também repassava recursos ao "valerioduto".
A ligação das empresas de Marcos Valério com outras empresas privadas interessadas em boas relações com o governo federal e o governo mineiro foram mencionadas de passagem. O nome do empresário Daniel Dantas, ligado ao PFL, mal aparece no relatório, embora empresas do grupo BrasilTelecom, administradas por ele, tenham irrigado generosamente as contas de Marcos Valério. Entre 2000 e 2005, foram R$ 122,3 milhões da Telemig e R$ 36,5 da Amazônia Celular.
A Usiminas não foi investigada, também, apesar de indícios fortes de participação maior no esquema de financiamento ilegal de campanhas eleitorais por intermédio do Valerioduto. Os repasses foram da ordem de R$ 32 milhões em cinco anos.O critério de não levar as investigações para o plano estadual perdeu sustentação na medida em que o relator viu-se obrigado a incluir o esquema voltado para a reeleição do senador tucano Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais, em 1998.
Se a justificativa para não excluir esse caso foi “não refugir ao que estivesse relacionado com o Valerioduto”, as transações com a Telesp e o GDF também deveriam ser mencionados da mesma forma.
O esquema para tentar reeleger Azeredo é idêntico ao que a CPI considera “desvio de recursos públicos para partidos e pessoas”. Tem agência de publicidade, tem contrato com o governo, tem empréstimos, tem repasses para políticos em campanha. É possível até que tenha sido usado em eleições anteriores à de 1998.
A licitação que abriu as portas do governo de Minas para as agências de publicidade de Marcos Valério foi a primeira realizada pelo governo Azeredo quando tomou posse em janeiro de 1994.Pelo relatório dá para perceber que a CPI usou critérios distintos para analisar e julgar tucanos e petistas.
Enquanto Azeredo e seus operadores foram indiciados por crime eleitoral, que já prescreveu. Os petistas José Dirceu, Luiz Gushiken, José Genoíno e Delúbio Soares foram enquadrados por corrupção ativa (Gushiken também foi indiciado por tráfico de influência, Genoíno, por falsidade ideológica e crime eleitoral, e Delúbio, além destes, por lavagem de dinheiro e peculato).
A defesa de Azeredo é considerada no relatório. A dos petistas, não.Pelo contrário, na tentativa de reforçar os argumentos, a CPI recorre a pareceres do Conselho de Ética da Câmara. No caso de José Dirceu, a investigação não avançou em nenhum ponto a partir do encaminhamento do relatório parcial ao Conselho de Ética. Pelo contrário, considerações levantadas antes foram retiradas no relatório final.
Serraglio considera Dirceu o grande idealizador do “esquema de corrupção destinado a garantir uma base de apoio ao governo na Câmara dos Deputados” com base, exclusivamente, na palavra do ex-deputado Roberto Jefferson, cassado por não ter comprovado suas acusações.
O relatório contém uma contradição incontornável que inibiu qualquer outro tipo de indiciamento de Dirceu. Se os empréstimos eram fictícios, porque o então ministro da Casa Civil precisaria ser o avalista político perante os bancos Rural e BMG? Por essa razão, Dirceu foi indiciado apenas por corrupção ativa, como responsável supostamente pelo pagamento de suborno aos deputados.
Estes mesmos deputados, no entanto, não foram indiciados por corrupção passiva. Apenas por crimes eleitoral e fiscal. Se não foram subornados, como pode alguém ser acusado de subornar?
Fora Jefferson, apenas o tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri, faz ilações com base no que teria ouvido, ou do próprio Jefferson, ou de Delúbio e Genoino. Estes negam. Na palavra contra palavra, o relator prefere dar o crédito aos acusadores.Assim foi a CPI. Tem crédito quem acusa o PT ou o governo. Não tem quem acusa outros partidos.
O lobista Nilton Mourão, que denunciou a Lista de Furnas, considerada falsa por perícias encomendadas pela CPI, não foi ouvido por falta de credibilidade. “A lista pode ser falsa, mas quantos criminosos não foram ouvidos na CPI?”, questiona o deputado Jamil Murad (PCdoB-SP).
Qual a credibilidade do doleiro Toninho da Barcelona, que levantou suspeitas e depois precisou declarar que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, era inocente para acalmar o mercado financeiro?
O relatório faz um esforço muito grande para comprovar a tese do mensalão. Consegue demonstrar que existiram repasses sistemáticos. O Caso do PL é o mais evidente. O partido começa a receber quotas semanais de R$ 500 mil no início de 2003. Fica algum tempo sem receber, depois os repasses caem para R$ 300 mil semanais, R$ 200 mil e R$ 100 mil. Os partidos envolvidos asseguram tratar-se de pagamento de dívidas eleitorais e preparação da campanha para as prefeituras, em 2004. Essa justificativa pode não ser verdadeira, mas o relatório não consegue desmontá-la.
As tentativas de demonstrar coincidências entre repasses e votações importantes no Congresso não são convincentes. O relatório se apóia em um parecer inconsistente do deputado Julio Delgado no processo de cassação de José Dirceu.
Ele menciona uma série de telefonemas e desembolsos no período de votações importantes, como Lei de Biossegurança, desoneração do PIS e da Cofins, liberação do plantio de soja transgênica e outros em que os conflitos eram setoriais e não partidários. E a maior parte dos recursos mencionados foi para parlamentares do PT.
Além disso, os trechos utilizados por Seraglio não constam mais do parecer de Delgado. Foram suprimidos por decisão judicial, pois foram obtidos indevidamente da própria CPI. Isso desmoraliza a CPI, que não foi capaz de fazer os cruzamentos das informações.
A maior desmoralização da CPI, no entanto, é dizer que tem mensalão e não indiciar os mensaleiros.

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