Thursday, January 11, 2007

Analisando fatos... (1)

O processo no Conselho de Ética

Voltemos a falar sobre o processo de cassação do ex-ministro José Dirceu. A luta pela reconquista dos seus direitos políticos passa por uma relembrança e um debate profundo e sereno das circunstâncias em que se deram seus processo e julgamento na Câmara dos Deputados.
Foram mais de três meses desde a representação no conselho de ética até a declaração de perda do mandato parlamentar por “conduta incompatível com o decoro parlamentar”. As razões para esta sentença foram fundamentadas basicamente na denúncia de que Dirceu fora o “chefe do mensalão”, esquema de repasse de verbas periódicas a parlamentares para que estes votassem projetos de interesse do governo. Vamos retomar aqui as principais evidências levantadas pelo relator do processo que o subsidiaram para que sentenciasse o ex-ministro a punição máxima prevista no Código de Ética da Câmara do Deputados e contrapô-las com a defesa feita por este na época. Uma análise coerente dos fatos expostos aqui poderá nos ajudar a compreender que a cassação do seu mandato foi fundamentada em fatos desconexos, suposições e, principalmente, no pré-julgamento.

1 – Ligações com o publicitário Marcos Valério

Como “chefe do mensalão”, era de supor que José Dirceu mantivesse relações constantes com o publicitário, apontado pela CPMI dos Correios como responsável pelo pagamento a parlamentares. Como “chefe” do esquema caberia a Dirceu determinar quando, quem e como o “pagamento” aconteceria, pressupõe-se então um contanto permanente entre o ‘planejador” e o “executor”. Analisando os fatos e evidências levantadas pelas CPI’s e pelo Conselho de Ética verificamos o contrário. Da quebra do sigilo telefônico, não foi constatada nenhuma ligação feita ou recebida dos telefones do publicitário, não fosse isto, em depoimento a CPMI dos Correios em 09/08/2005 declara:

“O SR. MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA – Eu não sou amigo do Sr. Ministro José Dirceu.
O SR. JOSÉ ROCHA (PFL – BA) – V. Sª é o que o dele, então? Considera-o um inimigo?
O SR. MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA – Diria que sim, hoje.”

2 – Empréstimos bancários

Segundo a CPMI dos Correios, o ex-ministro estava envolvido nas operações para financiar o PT e seus aliados (cabe aqui ressaltarmos que se o conselho de ética julgou José Dirceu como “chefe” do esquema de repasse, evidentemente a fonte dos recursos seria de seu inteiro conhecimento). Ressaltamos os depoimentos na mesma CPMI em 09/08/2005:

“O SR. PAULO PIMENTA (PT – RS) – Em alguma oportunidade, o senhor tratou desse assunto com o Ministro José Dirceu?
O SR. MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA – Ele não dá espaço para você conversar esse tipo de assunto com ele.
O SR. PAULO PIMENTA (PT – RS) – Repito a pergunta: em alguma oportunidade o senhor tratou esse assunto com o Ministro José Dirceu?
O SR. MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA – Não, porque ele não dá espaço para você conversar com ele.
O SR. PAULO PIMENTA (PT – RS) – O senhor nunca tratou esse assunto com o Ministro José Dirceu?
O SR. MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA – Não.”

Vejamos, se o “responsável pelos pagamentos” nunca tratou do assunto com o suposto “chefe do esquema de pagamentos”, alguma coisa está fora do lugar...

3 – Tráfico de Influência

Seria plausível considerar que, se Marcos Valério era o responsável pelo pagamento a parlamentares e José Dirceu o grande “articulador” do esquema, alguma coisa o ex-ministro deveria oferecer em troca. Várias acusações de benefícios aos bancos Rural e BMG e favorecimento na liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco foram levantadas, porém não há nenhuma evidência que a Casa Civil tenha favorecido nenhum destes bancos, e que, durante os 30 meses atuando como ministro não há uma denúncia contra ele por improbidade administrativa que configurasse tráfico de influência.

4 – Influência no PT

É de se supor que, como muitos alardeavam, Dirceu tinha uma influência quase “onipotente” dentro do Partido dos Trabalhadores. No entanto, desde sua nomeação para a Casa Civil em 2003, o ex-ministro tinha suas atribuições legais e estava afastado das atividades partidárias (tinha renunciado ao cargo de presidente licenciado). Senão vejamos o depoimento do ex-presidente do PT José Genoíno:

“O SR. JOSÉ GENUÍNO - Eu quero deixar bem claro que o Ministro José Dirceu não interferia na vida interna do partido. Respeitava o funcionamento e as decisões da Executiva. Ele participava quando tinha reunião do Diretório Nacional. Tinha uma relação política, como dirigente nos debates, nas resoluções do Diretório Nacional. Em relação ao funcionamento, em relação ao dia-a-dia do partido, ele não tinha interferência. (...)”

Além desta declaração, seria praticamente impossível coordenar as atividades partidárias com as atribuições de ministro. O mesmo senso comum que nos remete ao “onipotente” Zé Dirceu, também nos traz o famoso “super primeiro- ministro” que tudo mandava dentro do governo. Não há como negar a influência de Dirceu no PT como militante histórico, mas cabe ressaltar duas funções completamente diferentes: a função na máquina partidária, no dia-a-dia do partido e as atribuições (que não eram poucas) como ministro de Estado.



5 – Compra de votos

Por fim vale ressaltar que o processo de cassação de Dirceu foi iniciado por meio de uma denúncia do então deputado Roberto Jefferson e que o Conselho de Ética aprovou, por unanimidade, a cassação do ex-deputado Roberto Jefferson – decisão referendada pelo plenário da Câmara dos Deputados – argumentando, entre outros motivos, que ele denunciou, sem apresentar provas, a existência de um esquema de pagamentos mensais para compra de apoio de parlamentares do Congresso, o “mensalão”. Isto já diz muita coisa.

Evidentemente, há muito mais a argumentar no processo de José Dirceu. Retirar um mandato parlamentar sem provas factuais, sem evidências concretas, apenas nas suposições é um ato que só vivenciamos na ditadura. Questionar todos estes fatos é um exercício salutar para quem defende a democracia.
Os argumentos aqui relatados são baseados em documento elaborado pela assessoria do deputado na época e pode ser obtida na integra aqui.
Patrícia

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