Sunday, August 06, 2006

Abaixo o Mercosul



José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil

(Artigo publicado no Jornal do Brasil, em 03 de agosto de 2006)
Foi isso que vimos e ouvimos esta semana, em vários jornais e de vários articulistas, todos de renome e de passado ilustre. Uma revista chegou a decretar: "Melhor é abraçar a Alca" que, como sabemos, nunca será a redenção do Brasil.

Tenho dificuldade de entender alguns compatriotas: - o Mercosul está se enfraquecendo com a adesão da Venezuela e, no futuro, da Bolívia? É um erro criar um Banco do Sul? Os argumentos são vários e um deles chega a afirmar que o Brasil está perdendo a liderança para a Venezuela. Uma revista diz que o Banco é irrelevante - deve ser porque ela possui um - e cita dez razões para o fracasso do Mercosul. Afirma que a lógica política e ideológica (do Mercosul) se contrapõe à lógica econômica e dos negócios.

Soa ridículo contrapor a lógica política e ideológica à lógica dos negócios, já que uma serve à outra sempre. O resto é mistificação. São, sempre, as decisões políticas e ideológicas que conformam as alianças aduaneiras e as Uniões, como a Européia. Querer decretar o fim do Mercosul por causa das crises, como a da "papeleira", quando a Argentina se opôs à construção de fábricas uruguaias de celulose na fronteira ou do Mecanismo de Adaptação Competitivo, negociado entre o Brasil e a Argentina, ou por causa da postergação, para 2009, da união aduaneira é fingir não entender como se constrói uma aliança político-econômica entre países assimétricos e desiguais como o são os da América do Sul.


Isso, sem falar que se tem escondido que a crise que se abateu sobre todos os integrantes do Mercosul, é resultado das políticas neoliberais, única razão para o atraso atual na união aduaneira. A Organização Mundial do Comércio ou a União Européia levam anos para resolver problemas de tarifas comuns, subsídios, barreira tarifária e, mesmo, da moeda comum. Então, por que nós, sul-americanos, não podemos dar tempo às nossas controvérsias?


A adesão da Venezuela ou da Bolívia não tem nenhum caráter ideológico. Ou será que as mudanças de governos na Europa têm inviabilizado a União Européia? Claro que não, nem podem ser critério para decidir sobre a adesão de um país como membro.

Acusam o Brasil de perder liderança para a Venezuela, mas denunciam o que seria um "delirante" projeto do atual governo, ou seja, do presidente Lula, de liderança política dos países em desenvolvimento. Alegam que o comércio intra-regional cresceu pouco, de US$ 5 bilhões, em 91, para US$ 21 bilhões, em 2005; e que o Mercosul dificulta nossa integração via Alca e OMC, desconhecendo, de propósito, o fracasso das negociações de Doha (que nada tem a ver com o Mercosul), quando os EUA se recusaram a ampliar o corte dos seus subsídios agrícolas.

Ao mesmo tempo, afirmam que abandonamos o Mercosul para Hugo Chávez e que nos concentramos na OMC, como se isso caracterizasse uma divisão de trabalho previamente acertada entre Lula e o presidente da Venezuela.

A verdade é que precisamos de mais Mercosul, parlamento, fim da cobrança dupla na TEC, um tribunal para as controvérsias, um banco, um fundo compensatório para Uruguai, Bolívia e Paraguai; precisamos avançar para solucionar litígios, temos necessidade de uma política industrial regional e da integração na área de serviços e investimentos. Nada disso é contraditório com a adesão da Venezuela e da Bolívia. E a liderança brasileira se dá por condições objetivas, pela dimensão de nossa economia e pelo papel do Brasil no mundo hoje.

Querer enterrar o Mercosul para abraçar a Alca é um suicídio político. Não contará com o apoio do empresariado brasileiro, nem dos governos que compõem o Mercosul. Pode ser bom para atacar Lula em um ano eleitoral, mas é um desserviço ao Brasil.

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