Saturday, July 15, 2006

A insegurança pública



José Dirceu,
ex-ministro-chefe da Casa Civil

[13/JUL/2006]

Menos de sessenta dias após a megarrebelião e os atentados promovidos pelo crime organizado em São Paulo, assistimos, novamente, à ação do PCC contra agentes do Estado e a mesma reação histérica e sem controle do governo estadual. O que chama a atenção é a incapacidade do poder público de reagir, com a adoção de medidas estruturais, nas áreas social e de segurança pública.

Depois do choque inicial, nenhuma medida de fundo foi implementada. A prioridade continua sendo a repressão pura e simples; ineficaz, porque inócua. E toda a filosofia continua sendo a do Estado penal – polícia, tribunais e sistema prisional – ou seja, justiça de classe, que discrimina pela renda e pela raça. Violência contra os pobres e negros, contra a periferia da sociedade.

Convivemos com um sistema prisional que nos lembra campos de concentração; as cenas da penitenciária de Araraquara, no interior de São Paulo, mostradas para todo o Brasil, são irrefutáveis. A polícia continua matando – mais aqui do que em qualquer parte do mundo – e atua de maneira semelhante à do crime organizado. O resultado, especialmente entre os pobres, é o medo generalizado da polícia e das organizações criminosas, o sentimento de insegurança coletivo e de injustiça.

Apesar da unanimidade, em todo país, de que o sistema prisional está deformado, de que a Justiça é ineficaz e os baixos salários dos policiais são fatores que fragilizam a instituição, nada foi feito para mudar o atual estado das coisas. Os governos continuam priorizando os gastos com viaturas e armas, ou seja, o policiamento repressivo, em detrimento de investimentos na polícia técnico-científica, ou seja, do policiamento investigativo.

O verdadeiro escândalo é a inércia e a paralisia dos governos estaduais, particularmente os de São Paulo e Rio de Janeiro, incluindo-se as prefeituras dessas capitais. Apesar do clima de conflagração social, não foram anunciados programas emergenciais na área social ou de emprego, ou medidas nas áreas de lazer, esporte e cultura, para os bairros da periferia.

O próprio governo federal que, pela primeira vez, assumiu seu papel no combate ao crime organizado e ao narcotráfico, não foi capaz de priorizar, no orçamento, os recursos necessários para o desenvolvimento de uma política nacional de segurança pública, tão necessária quanto a reconhecida política social implementada pelo governo Lula.
Em 2005, 27% das verbas do Ministério da Justiça foram cortados, prejudicando a implantação pioneira de presídios federais e o aparelhamento, treinamento e reestruturação das polícias estaduais. Entre 2003 e 2005, só foram liberados 38% das verbas para atender os jovens em conflito com a lei.

Mesmo reconhecendo avanços na área federal – construção de presídios, modernização e autonomia das perícias criminais, organização do Sistema Único de Segurança Pública (São Paulo foi o último estado a firmar o convênio) e constituição da Força Nacional de Segurança Pública – ainda há muito por fazer. Principalmente na área da vigilância de nossas fronteiras.

A constituição de uma Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada à Presidência da República, ou de um ministério, tem de voltar ao debate. E o Congresso precisa votar o pacote de leis antiviolência, em boa parte já aprovado no Senado, mas cuja tramitação está parada na Câmara dos Deputados, apesar da urgência das medidas.

Porém, todas essas ações, ainda que necessárias, não serão a solução para a segurança pública, se o Brasil não continuar no caminho do crescimento do emprego e da renda e se não houver um amplo e massivo programa dirigido à nossa juventude. Nesse ponto, o Prouni e o Fundeb, recentemente aprovado, são sinais de esperança.

As mudanças evidentes na melhoria da distribuição de renda da população mais pobre e o aumento do emprego têm de ser seguidas de um vasto programa de obras sociais e urbanas nas grandes cidades do país, que mudem o atual cenário de abandono e pobreza. Só assim poderemos dar, aos brasileiros, segurança pública, com mais justiça e igualdade social.

O resto é a fuga, de sempre, de nossas elites, para o vazio do discurso de mais repressão e mais prisões, ou seja, de mais violência e mais opressão.

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