Saturday, May 27, 2006

Mortos acima de qualquer suspeita

Fernando Soares CamposLa Insignia.
Brasil, maio de 2006.

Geraldo e Cláudio são amigos inseparáveis. Aposentados, podem ser vistos a partir das duas da tarde, todos os dias, na mesa exclusiva da dupla, no Bar do Cardoso. Nos últimos 20 anos, só falharam um dia. Foi no domingo passado, pois naquele dia o bar fechou devido ao recrudescimento da violência que toma conta da cidade há uma semana.
Geraldo abre o jornal e lê para o companheiro:

- Vê essa, meu: "Já somam 107 os suspeitos abatidos pela polícia desde sexta-feira passada". - Suspeitos de quê?! - perguntou Cláudio- Aqui só fala em suspeitos. - Mas quem são esses suspeitos? - Ora! eu já li isso pra você, são os mortos, meu! - Sei. Mas quem são os mortos? - Putz!, meu, você não saca uma! Quer que eu desenhe? Os mortos são os suspeitos, meu! - Mas, meu, eu quero saber quem são os mortos suspeitos. - Fácil: são os caras que a polícia matou. - E esses caras têm nome? - Tinham. - Como "tinham"?- Agora são somente números. - São suspeitos de quê? - Suspeita-se que alguns desses suspeitos participaram de um movimento suspeito, supostamente ligado ao suspeito crime organizado. - Mas, se depois de investigados os casos, descobrirem que alguns dos suspeitos são inocentes? - E daí?! - O que acontece com esses que já morreram? - O que acontece?! Ora, meu!, não acontece mais nada, os caras já morreram. - E a polícia está procurando novos suspeitos? - Claro. - Mas, pelo que estou entendendo, qualquer pessoa que estava na cidade, nos últimos dias, é um suspeito. - Claro que não! - Por que não? - A polícia não pergunta onde o cara estava aqui nos últimos dias. - E se ficar provado que o morto suspeito não estava na cidade há mais de uma semana? - Aí o suspeito morto passa a ser apenas morto. - Hein?!! - Torna-se um morto acima de qualquer suspeita.

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