Wednesday, April 05, 2006

Carequinha, meu bom menino, vá em paz!



Saibam todos porque eu chorei muito esta manhã. Não foi por estar decepcionada com os seres humanos, suas mazelas plolítico-econômicas ou mesmo suas ações fomentadas pela ambição, orgulho, inveja ou mentira.

Chorei, porque me dei conta do quanto amava o palhaço Carequinha, meu amigo de infância, que se foi hoje, aos noventa anos, como um bom menino, que ensinou a ser bonachonas, milhares e milhares de crianças brasileiras, nas décadas em que nos encantou com sua pureza de alma e seus conselhos de bondade.

Um sonhador com os pés no chão, o palhaço encarna o espírito da alegria conduzido pela alma infantil, dadivosa de sorrisos largos, gestos afetados, cambalhotas expressivas, choros pirracentos e amores sem cobranças.

Num filme dele, recordo, de tanto tempo atrás, ele cantava e saltava com os paraquedistas brasileiros, numa performance nacionalista, que tanta falta faz nos tempos atuais.

Cantava que o " bom menino não faz xixi na cama", com a graça de quem é pai, avô, tio de toda a gente. Dava exemplos pessoais de humildade, e nunca nos passava suas dores, como um grande palhaço, deve ter tido muito sofrimentos, mas os escondeu bem escondidos, para só nos oferecer a felicidade instantânea da tradição circense.

Uma ocasião, eu, já senhora trintona, e com meu filho na casa dos seus 10 anos, o vi, se apresentando em cima de um caminhão, na praça, na cidade serrana de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Parei para reviver minha criança até então adormecida, e me soltei com as suas repetidas piadas. Ele já era um senhor de quase 70, que se tornava menino ali, pulando, brincando, fazendo graça, comou um duende sem idade.

Naquela tarde, aplaudindo euforicamente, no meio da garotada, orgulhei-me das gargalhadas que dei, junto ao meu menino Léo, que teve a chance de conhecer pessoalmente aquele meu ídolo, o Carequinha, colorido, extravagante, ágil, pequenino no tamanho, gigante na lição de vida.

Ele nasceu em Carangola (MG) em 18 de julho de 1915. Foi artista de circo, cantor e compositor. Sua mãe era trapezista e seu nascimento foi num picadeiro de circo. Ela se equilibrava no arame e sentiu as dores do parto logo após o espetáculo. Veio ao mundo para nos fazer felizes, esperançosos.

Não pregou o egoísmo. Não nos fez competitivos como se fora um Big Brother, só nos ensinou a ser "bonzinhos". Em seus oportunos aconselhamentos, só deixou que sentíssemos a importância do amor e da solidariedade.

Talvez tenha ficado ultrapassado demais , cada conceito que nos legou, de tentarmos ser tão educados, sem fazer "má-criação", como ele dizia.

É possível que esteja morrendo hoje, com ele, cada idéia inocente de convivência pacífica e respeitosa entre seres humanos. Sabemos que os meninos aliciados pelo tráfico não tiveram oportunidade de conhecer o Carequinha. Suas ilusões são podadas muito cedo, pelo advento da podridão humana, do comércio das emoções fabricadas pelas drogas pesadas.

Mas, lembro que vi no tal documentário que passou recentemente, na televisão, como se fosse um grito de protesto, uma revolta interior, um dos meninos entrevistados, dando uma declaração, que parecia um apelo inconciente ao nosso Carequinha.

O menino franzino, de rosto encoberto pela imagem televisiva, falava muito bem da mãe, sua única referência de afeto sincero. Mas, como uma vítima da estrutura perversa que nos foi apresentada tal uma vergonha humana de sociedade falida na condução da própria infância, o garoto meliante, o falcão traficante, o malvado capaz de matar e ser assassinado naquela barbárie, com uma expressão absurdamente salvadora e condutora da sua redenção, declarou: - "eu sempre tive o sonho de um dia ir num circo, mas minha mãe prometeu e nunca levou".

Viu, Carequinha? Faltam circos e palhaços como você, nos tempos atuais. E, como a hora chega para todos nós, fique certo de que você, amigo das nossas esperanças ainda não perdidas, fez o máximo nos seus 90anos. Fez de nós, os sobrinhos do Carequinha, uma legião de criaturas que ainda podem se claassificar de bons meninos e boas meninas.

Com nos ensinou, querido palhaço, com alma e coração, "aprendemos sempre a lição", e por isso, quando eu lamento sua partida, agradeço por sua escola de vida, a paz que me proporcionou e a consciência de respeitar a infância brasileira, custe o que custar, acima de tudo.

Poucos homens, nesse país, respeitaram tanto as crianças como você!
Se eu fosse autoridade, criava agora o Projeto Carequinha de Escola Social.
Ia ter muita lição para estudar, mas , nos intervalos, concurso de cambalhotas, como parte integrante da eduação física. A cada menino ou menina feliz, claro, por todo o Brasil, estaríamos legando a paz que o cidadão George Savalla Gomes, caracterizado de palhaço, soube passar para cada um de nós.

É justamente ela, a paz, que eu desejo seja sua eterna companheira, ao descansar de tantas cambalhotas, querido Carequinha!

Aparecida Torneros
Jornalista - Rio de Janeiro

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