Monday, July 10, 2006

O histerismo da Heloísa

FERNANDO SOARES CAMPOS
Cão que ladra não morde — diz o ditado —, mas, com a aparência de ferocidade, muitos cachorros devem ter-se livrado de levar um chute, ou evitado que a casa do seu dono fosse saqueada. Entre os animais, essa coisa da teatralidade é bem mais comum do que imaginamos. E não estou me referindo aos animais amestrados ou adaptados à convivência doméstica.
Etologistas garantem que, por exemplo, a cobra falsa-coral, não venenosa, muitas vezes assume um comportamento idêntico ao da verdadeira coral, venenosa, com o propósito de manter seus predadores afastados.
Desde tempos longínquos, aconselha-se que parecer é tão importante quanto ser; mas, para muita gente, a aparência chega a ser mais importante que a essência. O problema é que o mundo está cheio de ilusionistas tentando nos convencer de que suas bolhas de sabão ao vento são esferas de aço desafiando a lei da gravidade. A senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), por mau exemplo, costuma cuspir uma seqüência de frases feitas, na tentativa de conferir a si própria a aparência de uma autêntica socialista-trotskista que abomina o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Heloísa Helena, que lutou para não ser expulsa do PT, hoje assume ares de quem abandonou o partido por vontade própria. Ela procura tirar o máximo proveito da crise política que se desencadeou contra o governo Lula, a partir de meados do ano passado.
Teatralizar não é propriamente um defeito; pelo contrário, é saudável que saibamos desempenhar nosso papel social, mas que o façamos com certa discrição. É importante compreendermos que a boa educação não é sinal de fraqueza, e que a franqueza exagerada não explicita uma lisura de caráter, uma virtude plausível, mas sim revela inabilidade para expressar opiniões. O problema mais grave ocorre quando alguém, em nome de alguns aspectos razoáveis, extrapola a naturalidade, solta as feras e gosta dos resultados. Perde a consciência de sua teatralidade e, incentivado pela "platéia", passa a acreditar que aquele seu comportamento estilizado é o resultado da sua mais autêntica maneira de ser. As entrevistas da Heloísa a jornais e revistas geralmente estão assinaladas por observações editoriais que se referem aos seus momentos de exaltação, informando sobre a cólera que facilmente lhe assoma à alma quando o assunto é o governo Lula. A sua oposição não exprime simplesmente uma discordância quanto aos aspectos políticos, ideológicos ou administrativos deste governo. Ela incorporou a imagem de aguerrida militante política, fazendo de sua "personalidade" um ícone do marketing político. Heloísa Helena agora precisa demonstrar, a cada palavra, a cada gesto, que é uma "guerreira", pois a fizeram acreditar nisso.
Chico Buarque, em "Quem te viu, quem te vê", trata dessa questão. Vejamos esta estrofe:
Todo ano eu lhe fazia uma cabrocha de alta classe
De dourado eu lhe vestia pra que o povo admirasse
Eu não sei bem com certeza por que foi que um belo dia
Quem brincava de princesa acostumou na fantasia
Para quem se acostumou às suas próprias aparências, certamente deve ser muito difícil agir com o mínimo de naturalidade. Principalmente se essas aparências estão comprometidas com um público além de suas relações pessoais. No caso da Heloísa, com os seus eleitores. No plenário do Senado, Heloísa Helena se tornou o xodó da direita golpista, que lhe faz afagos, aplaudindo o seu histerismo verborrágico. Isso inflou tanto o seu ego que ela já não tem saída; mesmo que queira, já não dá para se comportar com, por exemplo, a combatividade elegante da senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA), pois já não resiste aos ímpetos de uma explosão histérica.
Dia desses, assistindo à TV Senado, observei a senadora Heloísa Helena ocupando a tribuna. Ela parecia estar num momento de aparente equilíbrio emocional, porém o seu comportamento se assemelhava ao de um inveterado tabagista esforçando-se para conter o vício: o sorriso forçado, os gestos contidos, a fala pausada, a delicadeza artificial, entretanto tudo isso se traía pelo seu olhar apagado, apesar do brilho das lentes dos óculos. Imaginei que a histérica Heloísa poderia estar sedada, talvez por um xarope contra aquela tosse alérgica, da qual ela é acometida quando esbraveja contra o governo Lula. Mas não demorou muito para a professora cabra da peste das Alagoas apresentar os primeiros sinais de nervosismo: pigarreava, tossia seco, ajeitava insistentemente a blusa com ligeiros puxões; eram sintomas da síndrome de abstinência de histeria. Finalmente, Heloísa não agüentou e acabou acendendo... quer dizer, explodindo: Blá! Blá! Blá! Blablablá!!! (Tradução: "Este governo neoliberal é mais corrupto que o de FHC!", "Parasitas sem pátria do capital financeiro!", "Neo-isso, neo-aquilo".) E tome mais blablablá. Heloísa Helena teve uma recaída.
Recentemente o jornal Folha de São Paulo publicou fotos da senadora Heloísa Helena, candidata do PSOL à Presidência da República, assistindo a um jogo da seleção brasileira na residência da senadora Patrícia Saboya (PPS), ao lado do petista Eduardo Suplicy e do coronel eletrônico Tasso Jereissati (PSDB-CE). O fato irritou alguns militantes do PSTU, partido do candidato a vice-presidente na chapa da Heloísa. Um deles argumentou que aquela atitude expressava um relacionamento "promíscuo" com figuras da política conservadora, com os defensores da política "neoliberal do capital financeiro sem pátria", acusou. "Jogo do Brasil a gente assiste na companhia dos amigos", concluiu o decepcionado militante.
Mas, se os seus correligionários acham que essa atitude da senadora fere os princípios da esquerda extremada e contraria seus inflamados discursos, quando ela costuma abominar "os tapetes dos salões e palácios da República", deveriam atentar para outras declarações bem mais contraditórias. Em entrevista ao Jornal do Brasil (em 03/07/2005), o cartunista Ziraldo a questionou sobre governabilidade e alianças partidárias:
ZIRALDO: É possível, nesse mundo capitalista, com essa poderosa ordem econômica internacional, governar sem fazer alianças?
HELOÍSA: A ordem jurídica vigente estabelece poderes imperiais ao presidente da República. Pra investir nas políticas sociais não precisa do Congresso Nacional.
Quer dizer, aquilo que Heloísa Helena condena nos governos "autoritários" é o que pretende fazer caso venha a ser eleita presidenta.
Assim como a senadora Heloísa Helena, também nasci e me criei no Sertão de Alagoas. Ela, em Pão de Açúcar; eu, em Santana do Ipanema, cidades distantes uns 30 km uma da outra. Apesar de toda a minha família ainda permanecer por lá, moro no Rio de Janeiro há muitos anos, porém mantenho relacionamento constante com meus amigos e parentes. Costumo ir de férias à minha Santana e, quase sempre, aproveito para passear na ribeirinha Pão de Açúcar da Heloísa Helena — à margem do rio São Francisco.
Outro dia perguntei a um amigo meu se a senadora Heloísa Helena, quando fazia campanhas eleitorais pelo interior do Estado, teria subido num palanque em sua cidade natal e esbravejado contra o coronel Elísio Maia (hoje falecido). Elísio Maia era uma espécie de ACM da região do Baixo São Francisco, com a diferença de que este ainda se dá ao trabalho de discutir com alguns dos seus adversários; já os inimigos do coronel de Pão de Açúcar geralmente se calavam para sempre. A resposta do meu amigo não poderia ser mais sertaneja. Ele me disse: "Oxe! Ela num é nem besta! O boi sabe onde arromba a cerca".
Eu diria que, para a senadora Heloísa Helena, também cabe outro ditado: carroça vazia faz mais barulho.

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