Monday, July 10, 2006

A não-reportagem iniformativa

Fernando Soares Campos


O jornalismo brasileiro inaugura a "não-reportagem ininformativa ". Trata-se de uma dinâmica inatividade jornalística que se ocupa dos fatos que, se tivessem ocorrido, teriam acontecido. É um desses corriqueiros fenômenos inexplicavelmente fáceis de serem incompreendidos.

Imagine o repórter chegando à redação e o chefe lhe perguntado:

— E aí, conseguiu alguma coisa?
— Nada! — responde animado o repórter.
— Ótimo! — diz o chefe. — Cadê o não-material?
— Tá aqui, ó — entrega-lhe um disquete.

O chefe introduz o disquete no micro, abre o documento e lê comentando em voz alta:

— Nada sobre a viagem do Zé Dirceu à Bolívia, nenhum detalhe sobre o que ele falou com Evo Morales, nem mesmo sobre o que não falou. Também nenhum detalhe sobre sua possível viagem aos Estados Unidos... Necas de pitibiriba sobre o que fez no México; se é que foi realmente ao México. Nenhuma informação sobre seus não-clientes. Dirceu nega que não se encontrou com Evo...
— Não, chefe — corta o repórter —, ele nega que tenha se encontrado.
— Então ele confirma que não se encontrou. Ótimo!
— É, acho que dá no mesmo.
— Bulhufas sobre o diálogo de Dirceu com Eike Batista.
— Mas, em compensação, a diretoria da siderúrgica EBX, de propriedade do Eike, não confirma nem nega se o Dirceu foi ou é contratado daquela empresa.
— Nesse caso, se ele foi, é ou será colaborador da siderúrgica, pode ter, ou não, viajado no jatinho da empresa.
— Demais, chefe! Só o senhor mesmo poderia chegar a essa conclusão!
— Mas... — o chefe localiza alguma coisa na tela — que empresa é essa aqui?!
— Qual?
— "José Dirceu & Associados"...
— Deve ser a empresa à qual o Zé Dirceu se associou. Certamente está no nome de algum laranja. Pelo nome da firma, sem dúvida é um parente, talvez...
— É provável, é provável... Huuummm... Quer dizer que o Dirceu nega que tenha negociado a questão do gás com Evo Morales, em nome do governo Lula?
— Não, chefe, ele não nega!
— Não?!
— Não, mas também não confirma.
— Ah, sei, sei...
— Mas a ministra Dilma Rousseff entregou o jogo.
— É?!
— Tá tudo aí.

O chefe rola a página na tela do monitor e lê a declaração da ministra:

— "A relação com os bolivianos é feita por meio de canais diplomáticos, do Itamaraty, do Ministério das Minas e Energia e da Petrobras, no que se refere à questão do gás".
— Viu?! Eles agem em conluio! — diz o repórter.
— Tá muito bom. Parabéns! Vai para a página policial.

Finalmente, os dois relaxam e mudam de assunto, enquanto tomam um cafezinho.

— Pô, chefe, o Silvio de Abreu bem que poderia ter aproveitado essa matéria para fechar com chave de ouro a trama da novela Belíssima.
— É verdade, é verdade...
— Ia dar o maior ibope!
— Pois é, já pensou?! No final, Bia Falcão, Medeiros, Ivete, Mary Montila, André...
— ... a dona Tosca, Valdete, Seu Aquilino, o Alberto...
— Isso, isso! Todos eles entrando, apoteoticamente, no Cogresso Nacional...
— Corta para um helicóptero decolando dos jardins do Palácio do Planalto, sobrevoado Brasília e produzindo uma chuva do nosso jornal... Ah! — suspira o repórter.
— Um exemplar caindo em câmera leeentaaa...
— A manchete em detalhe...

O chefe ergue os braços e, com os indicadores e polegares formando ângulos retos, simula o enquadramento da cena e fala pausadamente:

— "Dirceu não revela o que foi fazer na Bolívia"

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