Reforma política já
José Dirceu
Ex-ministro-chefe da Casa Civil
(artigo publicado no Jornal do Brasil, em 10 de agosto de 2006)
A reunião realizada, na semana passada, entre o presidente Lula e juristas da OAB, tinha, como tema central, a necessidade de regulamentar, por lei, o funcionamento das CPIS, evitando os abusos e as ilegalidades que vêm sendo cometidas, a pretexto de se combater a corrupção. O golpe de 64 também tinha, como justificativa, o combate à corrupção.
A proposta de convocação de uma Assembléia Constituinte Exclusiva para realizar uma ampla reforma política no Brasil, que recebeu o apoio do presidente Lula, foi um tema lateral, segundo vários dos presentes à reunião. Não sabemos – e não saberemos – o que aconteceu: o fato é que algum dos participantes informou, à mídia, que Lula apoiara a proposta da OAB, ou seja, a convocação de uma Constituinte para realizar a reforma política.
Ponto para o Presidente, que colocou o dedo na ferida: – “Ou o Brasil reforma seu sistema político, partidário e eleitoral, ou vamos para uma crise institucional”. Para os incrédulos, recordamos as crises de nossos vizinhos Bolívia, Venezuela, Argentina, Peru e Equador.
Ainda que a oposição, por puro oportunismo eleitoral, tenha se oposto violentamente à proposta, a questão central é que o Presidente, o governo e seu partido priorizarão a reforma política em 2007, condição necessária para o combate ao caixa dois e à corrupção.
O escândalo dos sanguessugas – descoberto pela CGU e investigado pela Polícia Federal – e a operação da PF, em Rondônia, Estado em que, praticamente, todos os membros da Assembléia Legislativa e do Tribunal de Justiça estão envolvidos em atos de corrupção, são a prova cabal da falência de nosso sistema político.
A reforma política de que necessitamos está, praticamente, pronta para ser votada na Câmara dos Deputados e institui a fidelidade partidária, o financiamento público das campanhas e a lista partidária. Esses institutos, junto com a cláusula de barreira e as regras estabelecidas pelo TSE, que proibiram os brindes e showmícios mudam, completamente, nosso sistema político, partidário e eleitoral.
Mudam para melhor, como aconteceu com o voto eletrônico e o horário eleitoral gratuito. Afastam o poder econômico das eleições; liquidam com as siglas de aluguel e com os candidatos de aluguel; podem pôr fim ao caixa dois e reduzem os gastos eleitorais dos partidos e dos candidatos. E mais: acabam com o poder que os deputados têm hoje, já que podem trocar de partido quantas vezes decidirem, o que lhes dá combustível para trocar votos por emendas e obras.
O voto uninominal é uma excrescência, pois encarece as eleições, impõe a disputa entre os candidatos de um mesmo partido e debilita o partido político: já o voto na lista fortalece os partidos e o debate programático.
Não necessitamos de uma Assembléia Constituinte Exclusiva para votar a reforma política. O novo Congresso pode fazê-lo – e rápido – nos primeiros meses da nova legislatura, ainda no primeiro trimestre de 2007.
Optar por uma constituinte exclusiva tem vários riscos: primeiro, de essa constituinte se tornar geral e, com uma maioria de centro-direita, mudar o programa do segundo governo Lula, priorizando a volta às reformas neoliberais, como, aliás, já defendeu nossa mídia ultra conservadora; segundo, há questões de constitucionalidade envolvidas, o que levará a proposta ao STF; terceiro, o esforço para convocá-la é o mesmo para aprovar a reforma que já está em tramitação no Congresso; quarto, até realizarmos a eleição de seus integrantes e chegarmos à sua instalação, estaremos, na melhor das hipóteses, em 2008, um ano eleitoral.
Como vemos o presidente Lula acertou no mérito. Vamos à reforma política já.
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POR UM GOVERNO DE PRINCÍPIOS
A importância dos princípios
O princípio é a base, o ponto de partida, a regra para uma cadeia de eventos, pensamentos ou intenções formadas anteriormente e que difere o sujeito político. Em relação a matérias relacionadas com a sociedade brasileira, parece-me que o termo princípio assume um papel retórico diferente. Ele é a moeda de troca da cidadania democrática, um regime que promove a escolha. A noção de um homem com princípios implica que, em dada altura da sua vida, ele tomou decisões, fez escolhas... em suma, formou-se como indivíduo público e transmitiu a todos seus princípios. Não nos passa pela cabeça afirmar que um rapaz de 13 anos tem princípios porque o termo princípio, definido desta forma, implica uma certa dose de responsabilidade, independência - moral, intelectual e financeira - que lhe permite fazer escolhas. Escolhas adultas, não infantilizadas por um idealismo desmesurado.
Parece-me que se precisasse caracterizar os brasileiros como povo, os caracterizaria como um povo obliterado por um idealismo desmesurado, utopicamente perfeito... e logo aí, desumano. É dessa permanente idealização que resulta, por conseqüência óbvia, a mossa péssima escolha.
Um princípio, tal como a palavra indica, é um começo. Um começo de algo que se procuraria ideal mas que nunca o será, porque foi prometido e não foi cumprido. É exatamente na compreensão da inevitabilidade do erro e na aceitação não-conformada - mas calma - da imperfeição que encontro o que poderia chamar de comportamento desvirtuado.
Os brasileiros são um povo eminentemente infantil, altura da vida - às vezes, permanente - onde se idealiza e imagina. É numa atitude infantil, a da conformidade inerte face à impossibilidade de atingir o ideal, que assenta a lógica do "ou é perfeito ou não vale pena".
A encruzilhada em que se encontra o nosso país poder-se-ia apelidar de passagem à maioridade democrática, um estado de alma em que o país receia não conseguir lidar com o futuro. Trata-se quase de uma primeira - e amedrontada - contemplação do real.
Neste governo não há uma clara preocupação com princípios, coisa que anda meio perdida na memória fraca da sociedade brasileira. Estes princípios, como a existência de uma avaliação dos professores, são absolutamente fundamentais. Mas o problema no Brasil, problema esse que não nos permite ser reformistas e evoluirmos, é que em tudo se procura um idealismo utópico, desumano, ou seja, a perfeição.
Voltando ao exemplo da avaliação qualitativa dos professores, ela tem de existir. Que não há sistemas de avaliação perfeitos, não há. Mas algo deve ser feito, algo deve ser evoluído. A democracia é um projeto inacabado e o caminho para sua correta implementação depende da escolha de homens de princípios suficientemente testados na vida pública.
Os princípios são um campo em que eu não perdôo aos políticos, porque um princípio não deve, nem pode, ser negociável. E assim chegamos a uma das mais importantes funções do estado: a de impor princípios aos cidadãos através da educação e da cultura, permitindo a responsabilização pelas escolhas. Quanto aos governantes: serem exemplos desse ato de cidadania é obrigação.
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