Thursday, May 04, 2006

Ficar de joelhos e rezar

José Dirceu
Ex-ministro-chefe da Casa Civil
JORNAL DO BRASIL

Na semana passada, assistimos a uma mal-intencionada reviravolta de opiniões, quando boa parte da mídia, com as exceções de sempre, entoou o canto do aumento dos gastos públicos e dos riscos que nosso Brasil corre, se não cumprirmos o superávit de 4,25%. Tudo porque os gastos do governo aumentaram 14,5% no primeiro trimestre.
Um contra-senso evidente pois esses mesmos veículos vinham criticando o governo Lula pelas altas taxas de juros, excessivo superávit e baixo investimento.

Pode parecer que a intenção é fazer oposição ou criar constrangimentos para o governo mas, no fundo, sabemos tratar-se de puro conservadorismo econômico, ponto de identidade entre a mídia e o Banco Central.
A escalada midiática continuou com a pressão sobre o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a partir da publicação da ata do Copom, para que ele abjurasse suas declarações a favor de juros mais baixos e da manutenção dos gastos sociais dentro do superávit de 4,25%.

Articulistas, editoriais e manchetes buscaram colocar o ministro da Fazenda de joelhos para rezar o breviário do BC. Felizmente, ele resistiu e continuou, serenamente, afirmando que os juros vão baixar, já que a inflação está no rumo da meta e a economia crescendo moderadamente.

No afã de provar sua tese, uma parte da imprensa "se esqueceu" de que a União (governo federal e suas estatais) só é responsável por 3,15% dos 4,25% do superávit, ficando os municípios, os estados e suas empresas controladas, responsáveis por 1,1%. Como a Petrobras, as outras estatais, os municípios e os estados vêm fazendo sua parte (e mais um pouco), o governo federal até poderia, sim, deixar de cumprir sua meta, até porque o ano tem doze meses.
De fato, há muito tempo, o Brasil vem fazendo cortes lineares para alcançar a meta do superávit, inviabilizando investimentos sociais já que, nos primeiros meses do ano, a Fazenda e o Tesouro aumentam o superávit para 4,5%, 5% e até 6%, com o objetivo de acalmar os mercados e de provar que vamos cumpri-la. Uma barbaridade além de burrice.

É bom lembrar que, em 2005, fizemos um superávit de R$ 93,505 bilhões, ou 4,83% do PIB, mas a economia cresceu ridículos 2,3%; nos últimos doze meses, fizemos um superávit de R$ 86,4 bilhões, ou 4,39% do PIB, 0,14% acima da nossa, já elevada, meta.

A verdade nua e crua é que, com juros mais baixos – caíram 3,25 pontos, desde que o BC começou a diminuí-los – e com mais crescimento econômico – perto dos 4,5% em 2006 – teremos maior arrecadação e menor despesa, conseqüência da queda do serviço da dívida pública. Logo, nada justifica a histeria que tomou conta de segmentos da mídia por causa do aumento dos gastos no primeiro trimestre.

É público e notório que as restrições impostas pela legislação eleitoral e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a partir de julho, limitarão as ações do governo federal. Logo, era mais do que esperado um aumento dos gastos, que estava previsto e anunciado, como explicou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, procurando pôr fim à desinformação sistemática.

No fundo, houve uma tentativa de taxar o governo Lula de perdulário, gastador e populista, uma vez que as outras tentativas de atingir a imagem do presidente não prosperaram, como demonstram todas as pesquisas de opinião pública.

Com essas "pegadinhas" da oposição e de parte da mídia, deixamos de discutir o principal: a urgente e necessária queda sistemática dos juros.

Para se ter idéia do desastre que significa mantê-los elevados, no primeiro trimestre, apesar do superávit de R$ 20,981 bilhões, pagamos, só de juros R$ 44,175 bilhões, ou seja, temos um déficit de R$ 23,194 bilhões no primeiro trimestre, 4,86% do PIB.

Essa é a diferença, para o Brasil, entre juros de 15,75% ou de 13%: 2,75% a menos significam não somente mais crescimento mas, principalmente, mais recursos para investimentos sociais e na infra-estrutura econômica do país.
Pode representar também uma redução lenta, segura e gradual dos impostos, de forma seletiva e dirigida, para fomentar o aumento do emprego e da produtividade. A farsa do aumento dos gastos, mais a ata do Copom, serviram a dois senhores: acusar o governo Lula de gastador e populista e tentar enquadrar o ministro Guido Mantega na ortodoxia delirante do BC, que nos tem custado sangue, suor e lágrimas.

José Dirceu escreve às quintas-feiras no JB.

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