Saturday, February 11, 2006

Havana. 10 Fevereiro de 2006. *Granma Internacional

Um fato verdadeiramente vergonhoso


O acontecido no México, após as ordens dadas por Washington a um hotel radicado na Cidade do México, provoca diversos sentimentos, que abrangem desde a indignação até a compaixão.
Todo mundo sabe do acontecido: um grupo de funcionários cubanos ligados ao setor energético se encontrava no México com seus colegas dos Estados Unidos examinando com profissionalismo e seriedade, entre outros temas, as possibilidades de cooperação no ramo da exploração petroleira, o qual se faz há anos com diversos setores produtivos dos EUA, interessados em intercâmbios futuros com nosso país.
Tal encontro tinha sido acertado, em virtude do interesse expresso da parte norte-americana em conhecer o potencial da Área Econômica Exclusiva de Cuba no Golfo do México, e a disposição do governo de Cuba de não impedir a participação das empresas norte-americanas em negociações futuras a respeito do tema. A reunião é outra prova da atmosfera de respeito mútuo entre nosso país e os setores econômicos dos Estados Unidos, evidenciado em compras importantes de alimentos, avaliadas em mais de US$ 500 milhões anuais, que Cuba pagou à vista e sem um só minuto de atraso, questão que a administração dos Estados Unidos hoje quer impedir a qualquer custo.
Este evento, como noutras ocasiões, se realizava num hotel no México, pois o governo de Bush proíbe que viajem tanto os cubanos quanto os norte-americanos para o país de cada um deles, em virtude do bloqueio.
É sabido que a nacionalidade de uma subsidiária, como é o caso do hotel María Isabel Sheraton, é a do país onde foi constituída, independentemente da nacionalidade da casa matriz. Noutras palavras, uma entidade registrada no México, sob a legislação mexicana, é juridicamente uma entidade mexicana e se deve reger pelas leis do país ao qual pertençam seus acionistas ou proprietários das multinacionais. Isso tudo, além de ser legalmente irrefutável, possui um profundo teor prático, fundamentalmente, no contexto atual de um mundo globalizado, onde inúmeros acionistas estrangeiros podem possuir empresas em qualquer país.
Pondo o mesmo exemplo do México, que recebe quantias vultosas do investimento estrangeiro direto, seria bom perguntar-se o que aconteceria se todo país pretendesse aplicar suas próprias leis a suas subsidiárias que operam no México. É claro que, sob tais condições, se aplicariam às empresas as leis alemãs, a outras as francesas, a outras as japonesas, ou talvez, todas. Não se precisa de um grande raciocínio para chegar à conclusão de que isso tudo levaria a que o país que recebe o investimento estrangeiro, o México neste caso, caísse no mais absoluto caos, uma vez que teria que aplicar em seu território a lei de dez, vinte ou mais países com diversos sistemas jurídicos e culturas corporativas.
Todo esse assunto foi bem estabelecido e pode ser compreendido com clareza e ninguém o transgrediria, à exceção do governo de Bush, que, como dono do mundo, demonstra que não tem limite algum para seu arrogante poder imperial.
Os fatos confirmam isso: na sexta-feira 3, quando tinha terminado o primeiro dia de sessões de trabalho de ambas as delegações, a de Cuba foi informada pela administração do hotel mexicano de que o Departamento do Tesouro dos EUA lhe ordenou desalojá-la da instalação.
Pressupõe-se que o gerente do hotel considerou muito lógico e razoável o acontecido. Nem sequer hesitou, e mandou cumprir imediatamente a ordem recebida. Não se deteve a pensar um só instante em que um governo estrangeiro não tinha faculdade jurídica para dar tal ordem, e que, se houvesse qualquer problema a esse respeito, deveria ser resolvido sob os preceitos da lei mexicana.
Não se pode culpar o gerente do hotel. Ele agiu simplesmente com o raciocínio de um funcionário que está atuando direito. Ele nem sequer imaginou que tal ordem era impudica e abusiva para o povo mexicano e o mundo.
Talvez pensasse mesmo que, expulsando os funcionários cubanos do hotel, cumpria também a vontade do governo que, desfaçadamente, condena fervorosamente Cuba em Genebra, ano após ano, e fica calado estranhamente face às terríveis torturas que os Estados Unidos cometem diariamente contra prisioneiros indefensos que ficam sob sua custódia, em território cubano ocupado ilegalmente e à força por esse governo que a acusa de violar os direitos humanos.
Para tornar ainda mais humilhante tal ação, o império nem sequer se incomodou para informar as autoridades mexicanas. A ordem foi transmitida por um burocrata de turno do Departamento do Tesouro. Ao fim e ao cabo, a soberania de um país é uma ninharia e não era preciso incomodar um funcionário de maior categoria.
A porta-voz do Departamento do Tesouro, Brookly Mclaughlin, foi muito explícita. Num artigo publicado no The New York Times, em 7 de fevereiro, ha uma citação onde diz. "O hotel na Cidade do México é uma subsidiária norte-americana e portanto, é proibida de prestar serviços a Cuba ou a cubanos. Neste caso, somente estamos acompanhando nossos procedimentos comuns, aplicando a lei". Só faltou uma coisa a esclarecer, que com certeza não achou necessário, que ela estava se referindo à lei dos Estados Unidos.
Outro porta-voz, o do Departamento de Estado, Sean Mc Comack, segundo uma informação publicada no Estrella Digital, em 9 de fevereiro, fazia o seguinte depoimento: "Essencialmente, a lei estadunidense é aplicada a empresas dos Estados Unidos ou subsidiárias de grupos norte-americanos, sem importar onde elas estiverem". Não há prova mais contundente do menosprezo à soberania de outros povos do que esta.
A indignação no povo mexicano e em muitas de suas instituições não demorou. Organizaram-se manifestações populares de repúdio à grotesca ofensa. Os senadores dos principais partidos políticos reagiram com honra e decoro. O jornal La Jornada, em sua edição de terça-feira 7 de fevereiro, publica um artigo sobre o tema intitulado "A aplicação extraterritorial das leis dos Estados Unidos é inadmissível: Senadores!"
O artigo começava dizendo: "Senadores panistas (do Partido Ação Nacional –PAN); priístas (do Partido Revolucionário Institucional –PRI) e perredistas (do Partido da Revolução Democrática –PRD) exigiram, ontem, ao governo do presidente Vicente Fox uma reação diplomática enérgica à expulsão de funcionários cubanos do hotel María Isabel Sheraton, pois constitui uma violação dos artigos 1º, 14º e 16º da Constituição, e aliás, qualificaram de ‘vergonhoso’ permitir a aplicação extraterritorial das leis estadunidenses no México. ‘Isso é inadmissível e precisa de um esclarecimento imediato’, salientaram". Porém no meio de todo este clima de recusa unânime ao vexame recebido do Norte pela pátria de Juárez, que dizia e que fazia o governo do México?
Analisando as declarações do chanceler Derbez, a quem a imprensa internacional entrevistou, para conhecer a posição do governo mexicano sobre tão conhecido escândalo, não pode menos que se experimentar uma estranha mistura de perplexidade e quase um sentimento de lástima.
Em suas primeiras declarações na Europa, onde estava realizando uma turnê por vários países, reconhecia, segundo a AFP, em 7 de fevereiro, que a lei não pode ter nenhuma aplicação extraterritorial, mas apressou-se a acrescentar: "o que nós faríamos, não com o governo dos Estados Unidos porque eles têm sua legislação, mas sim com aquele que a aplica de maneira errada, seria aplicar a sanção correspondente".
Traduzido a uma linguagem direta e clara o que está admitindo com a mais assombrosa indolência é que o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos pode dar ordens a empresas que operam no México; e dado o caso que o tema saia à luz pública e não fique mais outra alternativa que tomar alguma ação para acalmar os ânimo, então a empresa que acatou a ordem contra a honra e a dignidade do México, será castigada.
Segundo a mesma informação da AFP, a porta-voz da cadeia proprietária do hotel, Ellen Gallo, contradizia em Nova York o ponto de vista do sr. Derbez ao assegurar, com toda a razão, que se tratava "de um tema entre dois governos".
Outra manchete do jornal mexicano La Jornada, de 8 de fevereiro, publicava outra insólita frase do Secretário das Relações Exteriores do México: "O hotel Sheraton será sancionado sem enviar queixa alguma a Washington"; e o órgão de imprensa acrescentava: "Luis Ernesto Derbez Bautista, que está em Londres, no último ponto de sua turnê de duas semanas pela Europa, rejeitou que a decisão do Hotel Maria Isabel Sheraton de desalojar uma delegação de funcionários cubanos de suas instalações seja uma violação da soberania nacional".
Na medida em que a indignação interna crescia, o governo mexicano era alvo de fortes pressões para adotar uma posição mais enérgica perante tal afrenta à nação educada no exemplo das crianças heróis de Chapultepec e de todos os que lutaram por preservar os mais altos valores do glorioso povo mexicano.
O chanceler Derbez agia inseguro e indeciso. Em 8 de fevereiro, o jornal mexicano El Universal deixava constância das tribulações do ministro, num artigo intitulado: "Secretaria das Relações Exteriores ajusta posição perante os Estados Unidos pela expulsão de cubanos". O mencionado jornal informava: "O governo do México examina o envio de uma nota diplomática de protesto aos Estados Unidos devido à expulsão de uma delegação de cubanos do hotel María Isabel Sheraton, informou o chanceler Luis Ernesto Derbez, que advertiu que o Governo Federal não permitirá que nenhuma lei do estrangeiro tenha vigência sobre as nacionais.
"Numa entrevista radiofônica, o chanceler disse que o governo mexicano, através do subsecretário para a América do Norte, Jerónimo Gutiérrez, contatou com o governo estadunidense para averiguar de maneira precisa e concreta o incidente. Ele (subsecretário) trará a informação para que decidamos se corresponde ou não apresentar queixa ao governo dos Estados Unidos.
"Contudo, em menos de quatro horas, Derbez mudou sua posição, pois numa entrevista coletiva em Londres, que antecedeu a uma entrevista radiofônica, assegurou que o incidente não precisava do envio de uma nota diplomática a Washington, porque o hotel Maria Isabel Sheraton atuou indevidamente, enquanto o Departamento do Tesouro, justificou, só deu indicações.
"Também garantiu que os Estados Unidos não violaram a soberania mexicana ao pedir à empresa a aplicação de uma lei estadunidense."
Uma manchete mais recente, nesta oportunidade do jornal La Jornada, de 9 de fevereiro, oferecia declarações novas e ainda mais raras: "Pedido verbal aos Estados Unidos para que reveja a aplicação extraterritorial de leis: Derbez".
É curioso constatar que, inclusive, um tímido "pedido verbal" para que os Estados Unidos "revejam" a aplicação da Lei dos Estados Unidos no México era acompanhado de uma explicação na qual ficava claro que o único culpado era o hotel por todo o acontecido, e se mostrava especial complacência com o governo de Bush ao deixar patente de que "as relações com os Estados Unidos são, em termos gerais, muito positivas". Mais para a frente, o chanceler Derbez culpava a imprensa de "armar escândalos sobre este tema". E acrescentava, como para que não ficasse nenhuma dúvida da extrema delicadeza com que fazia seu "pedido verbal" a Washington: "Comunicamos verbalmente ao Departamento de Estado que nos parece que eles deveriam rever esta territorialidade (de suas leis)".
Realmente, se algo faltou nestas declarações, foi pedir humildemente desculpas pela terrível moléstia que significa para o Departamento de Estado dedicar uns minutos de seu ocupadíssimo tempo para escutar alguém que "acha" que se "deveria" rever a não-aplicação das leis dos Estados Unidos em seu próprio país.
Posteriormente, se falou de fechar o hotel, porém devemos esclarecer que as causas que se aduzem para ameaçar de tomar esta medida são de caráter meramente administrativo, como por exemplo que o hotel ocupou três mil metros quadrados de terreno sem permissão, que opera dois bares sem licença e não possui saída de emergência.
Como se pode constatar, nenhum destes motivos tem a mínima ligação com o problema essencial: o fato de que porta-vozes do Estado expansionista que ontem arrebatou ao México mais da metade de seu território, declarassem que as empresas mexicanas com participação de entidades estadunidenses tenham que cumprir no México as leis dos Estados Unidos e atuaram draconianamente, segundo essa prerrogativa assumida por eles próprios.
As avaliações sobre este acontecimento podem ser muito variadas, mas como disse Martí: "há um cúmulo de verdades essenciais que cabem na asa de um beija-flor e são, contudo, a chave da paz pública, da elevação espiritual e da grandeza pátria".
Da nossa óptica martiana, sentimos uma enorme pena pelo acontecido que expressa até que ponto os Estados Unidos arrogam o direito de ignorar o governo e o povo mexicanos e atuar impunemente com absoluto desrespeito à grandeza dessa nação irmã e entranhável.

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