Tuesday, January 17, 2006

16/01/2006 - Berzoini: chave para eleição 2006 é a militância


O presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, em entrevista à revista Época desta semana, fala sobre erros e acertos do PT e do governo Lula, sobre os planos do partido para as eleições e sobre política de alianças, entre outros assuntos.
Berzoini ressalta que o partido fechou dezembro de 2005 com 866 mil filiados - 30 mil a mais que em dezembro de 2004. Com este dado, ele aposta que o partido terá mais condições de mobilizar a militância hoje do que na eleição de 2002.
"A crise, agora, mostrou que, quando precisa, a militância vai à ação para defender o partido. Foi o que ocorreu na eleição interna do PT com a participação de 314 mil pessoas. Nenhum outro partido tem esse exército. O pessoal está consciente dos problemas, mas sabe que a história do partido é outra. A chave de nossa vitória em 2006 será mobilizar a militância. E ainda existe gente que não foi votar, militantes que não são filiados e filiações que eu recebi depois de setembro", afirmou.
Confira a entrevista publicada na revista Época:
O presidente do PT, Ricardo Berzoini, coleciona tarefas espinhosas e importantes. Quando o governo Lula estava começando, ele foi escalado para ser ministro e defender a reforma da Previdência - assunto que antes poderia provocar a excomunhão do universo petista. Contrariou milhares de servidores e sindicalistas, mas ganhou pontos junto ao presidente. Lula, então, o convocou para um segundo trabalho complicado. Em janeiro de 2004, assumiu o Ministério do Trabalho num período em que as pesquisas apontavam o desemprego como principal problema do país. Desde o fim de 2005, como presidente do PT, Berzoini tem a incumbência de reerguer o partido, desgastado e endividado após o escândalo do mensalão. Nesta entrevista, ele lista os principais erros do PT, antecipa como deverá ser o discurso da reeleição e manifesta um otimismo surpreendente. Diz que o número de filiados cresceu, apesar da crise, e aposta que as urnas em outubro preservarão o tamanho da bancada petista no Congresso. Só não há otimismo para o assunto que atormenta o partido há oito meses: para Berzoini, não há meios de garantir o fim do caixa dois.
ÉPOCA - O PT vai sangrar muito?Ricardo Berzoini - Já sangrou muito e vai continuar sangrando, pois qualquer denúncia hoje contra o PT ganha ares de credibilidade só porque é contra o PT. Bandidos, juízes presos, doleiros incriminados sacam denúncias contra o PT. No primeiro momento, tratam como se fosse a coisa mais crível do mundo. O PT, por outro lado, precisa ter a capacidade de perceber que o impacto da crise foi grande. Não dá para tratar como se fosse algo menor. Mas não podemos aceitar o jogo hipócrita de quem tenta caracterizar caixa dois de campanha como corrupção. Se for assim, muitos da oposição e da situação serão enquadrados por corrupção. O fato é que temos uma legislação que incentiva o sub-registro de doações.
ÉPOCA - Lula diz que poderá não disputar a reeleição. Se esses sinais são sinceros, o que o PT vai fazer?Berzoini - Acredito que são sinceros mesmo. Ele quer ter uma avaliação sobre o tipo de campanha que vai fazer, como será a estratégia. Acho que ele está certo. Nós não podemos achar que, havendo reeleição, todo mundo tem de disputar automaticamente. O problema é que não existe nenhum nome no PT com a densidade que ele tem. A angústia do partido é essa.
ÉPOCA - Fala-se na candidatura do ministro Ciro Gomes.Berzoini - Sem Lula há vários nomes. Eu gosto muito do Ciro. Acho que ele teve um papel de extrema lealdade. Em nenhum momento tremeu. Ele poderia, como ex-candidato à Presidência, ter certo afastamento em algum momento, mas não fez isso. Sempre apresentou ponderações com relação à política econômica, mas de maneira muito reservada. Mas um assunto como esse só pode ser cogitado após uma decisão do presidente no sentido inverso ao que nós queremos.
ÉPOCA - Qual vai ser a política de alianças do PT?Berzoini - Vai depender muito da posição que o PMDB vai tomar. Um cenário é o PMDB com candidatura própria, que é o discurso oficial da direção. Outro é o PMDB sem candidato, mas dando liberdade para suas lideranças negociarem. E o terceiro cenário seria uma aliança formal PT-PMDB, que para nós seria o melhor. Os demais casos são variáveis. Temos três partidos (PTB, PL e PP) que, como o PT, estão com sua imagem desgastada, mas seguem na base do governo. No PT muita gente defende que a gente busque apenas nosso núcleo histórico, o PSB e o PCdoB. Eu acho que nós devemos tentar ampliar. ÉPOCA - Qual foi o maior acerto do governo Lula e o maior erro?Berzoini - Mesmo tendo reparos pontuais à meta de inflação para 2005, acho que o maior acerto foi ter tido a coragem de assumir uma política econômica compatível com a situação do Brasil em 2003. Além disso, a política externa, que é uma referência positiva em todo o mundo. O erro foi o de comunicação. O governo não organizou bem uma estratégia de divulgação de suas ações. Muitas vezes prevaleceram avaliações pessimistas, posições partidárias contra o governo ou irreais.
ÉPOCA - O que Lula faria no segundo mandato que não fez no primeiro?Berzoini - Muita coisa. A política econômica, que é um sucesso, precisa ter como referencial uma execução orçamentária mais ágil e linear. Precisa de uma visão fiscal com o mesmo grau de responsabilidade, mas sem obsessão. Outra questão fundamental é apontar aquilo que pode ser consolidado. No Bolsa-Família, por exemplo, o grande passo é estabelecer a porta de saída. Não queremos manter milhões de pessoas recebendo apenas para escapar da pobreza. Precisamos de instrumentos para dar perspectiva econômica a essas pessoas. Outro ponto é melhorar a eficiência do sistema financeiro. Se existe um setor de baixa eficiência no Brasil, são os bancos. Eles operam com um spread (margem de lucro) totalmente anômalo em relação aos outros países. Não precisa ir para a Europa ou os Estados Unidos. É só comparar com outros países latinos.
ÉPOCA - Por causa da crise, a tendência é que o PT sofra uma redução da bancada de deputados. Como seria possível tocar um segundo mandato com uma base ainda menor?Berzoini - Não quero ser arrogante, mas não acredito nessa tese de redução da bancada. A base do PT hoje é bem maior. Na eleição passada, tínhamos 180 prefeitos. Hoje, são quase 400. Nossa bancada era de 59 deputados. Pulou para 91. Desses, 83 vão disputar a reeleição. Temos também mais deputados estaduais e vereadores. E nossa base social e sindical não se reduziu. A CUT cresceu. Então pode haver um voto de opinião contra o PT, que está vinculado às questões da crise. Mas nós também temos o voto da base do PT e do sucesso do governo.
ÉPOCA - O PSDB deverá fazer a campanha falando em ética e eficiência. Que discurso sobrou para o PT?Berzoini - Temos vários discursos. O primeiro é o do governo que reverteu a lambança econômica que o Brasil vivia em 2002. Vamos mostrar que o Brasil passou os oito anos do governo FHC desempregando. O desemprego cresceu 50% no governo do PSDB. Os setores têxtil, de calçados, de autopeças tiveram postos de trabalho dizimados em larga escala. Nos oito anos de FHC tivemos a ausência de uma política social abrangente para os miseráveis. Então vamos fazer uma boa comparação do que foi o governo Fernando Henrique com o que foi o governo Lula.
ÉPOCA - O PT comemora a criação de 3,6 milhões de empregos. Mas na campanha Lula falava na necessidade de 10 milhões. Isso não é frustrante?Berzoini - Pegamos o país em situação pior do que se imaginava quando o programa de governo foi feito. Mas note que os 3,6 milhões em três anos são empregos formais. Isso significa que você colocou na Previdência, no Fundo de Garantia e no mercado de consumo popular um Uruguai. Mais até, pois é um Uruguai só de trabalhadores. Mas há também a ocupação da agricultura familiar, da economia informal urbana, pessoas que viraram empresários. Tudo isso cresceu.
ÉPOCA - Nesta crise, quais foram os erros mais graves cometidos pelo PT?Berzoini - Foram dois. No começo, um certo deslumbramento, o que era até esperado. E depois essa falta de controles internos. Houve uma preocupação tão grande de ser instrumento de estabilização do governo que deixaram de cuidar da discussão complicada sobre finanças.
ÉPOCA - Mas agora o senhor tem como garantir que não haverá caixa dois?Berzoini - O que podemos garantir é que a direção do PT vai ter total conhecimento sobre o que se passa. Mas, como no Brasil cada candidato cuida de suas finanças e não há voto em lista (sistema em que os eleitores votam numa lista pré-ordenada pelo partido), não dá para controlar.
ÉPOCA - Então não dá para garantir?Berzoini - Não dá para garantir que não vai ter caixa dois. Dizer o contrário é exercício de intenção. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) está tentando reduzir o problema. Mas eu temo que medidas bem-intencionadas possam ser apenas formais. A norma diz que o candidato terá de divulgar informações quinzenalmente. Acho muito positivo, mas e quem eventualmente não divulgar? Qual é a capacidade do aparelho estatal de fazer auditoria? Você tem de manter uma contabilidade do começo ao fim para cada deputado, botar na internet e assegurar a veracidade. E tudo para uma coisa eventual, pois a campanha dura três meses. O partido não tem estrutura para dar assistência nesse nível a todos os candidatos.
ÉPOCA - Depois de tudo, com que cara o PT vai pedir contribuições?Berzoini - Os argumentos são os mesmos de sempre: a democracia é cara, há gastos reais e no modelo atual o financiamento é privado, não é público. Então vamos ter de buscar em nossa base e junto aos tradicionais financiadores. Acho que pode haver uma retração dos doadores tradicionais. Mas não só para o PT, para todos.
ÉPOCA - O que vai tirar mais votos: as notícias sobre a crise ou a frustração de expectativa em relação às promessas não-cumpridas?Berzoini - Os dois fatos decorrem do exercício do poder. Um é a campanha muito bem articulada pela oposição, com grande eco em setores da imprensa. Deram uma dimensão aguda, tentando sempre carimbar o PT num esquema de mensalão ou compra de votos. Só que até hoje não houve comprovação de compra de voto em nenhum momento. O que pode ter acontecido é uma maneira muito atrapalhada de gerir relações financeiras entre os partidos. Com relação ao governo, o que há, na verdade, é uma avaliação muito positiva do ponto de vista do emprego e do crescimento. Há o alcance do Bolsa-Família, o Luz para Todos, o ProUni e vários outros programas. E a mudança do padrão da economia. Ela caminhava para um processo de esgotamento e, graças à coragem do presidente de ter assumido o ônus de uma política duríssima, a situação mudou. Se você comparar os dez indicadores principais da economia antes e depois, verá que a mudança foi da água para o vinho.
ÉPOCA - O ex-ministro José Dirceu ainda exerce influência no PT?Berzoini - Ele não tem tido nenhuma atuação nesse sentido. Dirceu foi presidente do PT por oito anos e teve um papel importante por mais de 20 anos. A figura dele não é execrada pela maioria. Ao contrário, muitos o admiram. Agora ele tem tido uma postura muito digna ao não tentar influenciar o partido. Ele compreende que, neste momento, não interessa fazer isso. Mesmo se fosse só para ajudar, a interpretação externa seria a de que ele continua com um peso enorme.
ÉPOCA - O senhor conversa com o ex-tesoureiro Delúbio Soares?Berzoini - Desde que eclodiu a crise, devo ter conversado com ele três ou quatro vezes, apenas para obter informações que eu julgava absolutamente imprescindíveis. Ele tem uma estratégia que mistura defesa política com defesa jurídica. Então talvez ele não tenha condição de compartilhar com o partido as informações necessárias para fazer sua defesa jurídica. Embora eu o respeite como ser humano, por sua militância, o Delúbio cometeu erros gravíssimos e foi expulso do partido com meu voto. Mas ele não tem nenhum sinal externo de enriquecimento e está tendo uma postura digna até onde ele pode manter.
ÉPOCA - O senhor disse recentemente que o PT tem mais condições de mobilizar a militância hoje do que na eleição de 2002. Como, se o partido vive uma crise sem precedentes?Berzoini - Mas é isso mesmo. Em 2002 havia um clima tão favorável que boa parte da militância não se envolveu. Foi uma campanha profissionalizada, com boa soma de recursos. A militância participou, mas não houve aquela mobilização de outras eleições. A crise, agora, mostrou que, quando precisa, a militância vai à ação para defender o partido. Foi o que ocorreu na eleição interna do PT com a participação de 314 mil pessoas. Nenhum outro partido tem esse exército. O pessoal está consciente dos problemas, mas sabe que a história do partido é outra. A chave de nossa vitória em 2006 será mobilizar a militância. E ainda existe gente que não foi votar, militantes que não são filiados e filiações que eu recebi depois de setembro.
ÉPOCA - O senhor está dizendo que o PT tem mais filiados agora do que antes da crise?Berzoini - Esse é um dado magnífico. Recebemos muitas filiações neste período e poucas desfiliações. O movimento mais sensível foi o do pessoal ligado ao Plínio de Arruda Sampaio (ex-deputado e candidato derrotado na eleição interna que saiu do partido). Mas não foi tão significativo. Por outro lado, tivemos atos de filiação no Rio de Janeiro, em Brasília e em São Paulo. Em dezembro de 2004, o PT tinha 835 mil filiados. Eu mesmo esperava um movimento forte de desfiliação, mas fechamos dezembro de 2005 com 866 mil filiados, 30 mil pessoas a mais.

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